Morreu o dramaturgo italiano Antonio Tarantino, autor de Stabat Mater

Chegou tardiamente ao teatro, já com 55 anos, e tinha uma relação próxima com a companhia Artistas Unidos, de Jorge Silva Melo, de quem era amigo pessoal, como confirma o encenador ao PÚBLICO. Morreu aos 82 anos, com um ataque cardíaco.

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O dramaturgo italiano Antonio Tarantino, conhecido em Portugal por textos para teatro como Stabat Mater e A Paz, morreu em Turim, aos 82 anos, vítima de um ataque cardíaco no hospital, onde estava a recuperar de uma queda, noticia o jornal italiano La Repubblica.

Antonio Tarantino nasceu em Bolzano, no Norte de Itália, em 1938, e chegou tardiamente ao teatro, em 1993, já com 55 anos e deixando para trás a pintura. Impôs-se com Stabat Mater e com a colecção Quatro Actos Profanos, tornando-se numa referência para gerações mais novas.

O dramaturgo colaborou intensamente com a companhia de teatro Artistas Unidos, criada em 1955 por Jorge Silva Melo, de quem era amigo pessoal. Para a companhia escreveu A Coxa Vai Parir Mas o Bebé Quer Lá Saber de Nascer, integrado no espectáculo Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices, em homenagem a Harold Pinter, levado à cena em 2004.

O actor e encenador Jorge Silva Melo recorda agora ao PÚBLICO: “Era esperada a morte deste extraordinário artista que só começou a fazer teatro quando lhe retiraram o pequeno estúdio de pintor que a câmara de Turim lhe tinha dado. O que fazer se só tenho um quarto? Sim, ele vivia num pequeno quartinho nas aforas ‘sociais’ de Turim, nem telefone tinha, era preciso falar com uma amiga que o avisava de que teria uma chamada pelas tantas.”

"Um grande escritor"

Para Jorge Silva Melo, Tarantino era “um grande escritor” que escreveu “contra o teatro, assinando peças impossíveis como Materiais para uma Tragédia Alemã sobre os Baader Meinhof Entebbe  (12 horas se representada na íntegra) ou fazendo subir ao palco gente da mais baixa rua, vendedeiras de feira, travestis da noite, drogados, as pessoas que ele conheceu, com quem bebeu vinho tinto nas horas mortas das estações de comboios”.

Os seus primeiros trabalhos, Stabat Mater e Paixão Segundo João, remontam ao início dos anos de 1990 e foram publicados na colecção Livrinhos de Teatro, da companhia Artistas Unidos, tendo conquistado o prémio da escrita teatral Riccione. Escreveu em seguida Vésperas da Virgem Santíssima e Brilharetes.

Estes quatro trabalhos foram originalmente dirigidos pelo encenador franco-tunisino Kamel Chérif, e receberam em 1998 o prémio UBU, galardão que voltou a ser concedido a Antonio Tarantino por Quatro Actos Profanos, em 2010.

Com Materiali per Una Tragedia Tedesca (Materiais para uma Tragédia Alemã) voltou a ganhar o prémio Riccione e o prémio UBU, em 1997 e em 2000, respectivamente.

Ainda em 2000, escreveu Stranieri, e até 2005 produziu La Casa de Ramallah, La Passe, Trattato di Pace, Non é che Un Piccolo Problema.

Os Artistas Unidos realizaram uma leitura de A Casa de Ramallah, dirigida por João Meireles e integrada no Festival de Almada, em 2004. E, no ano seguinte, estrearam Paixão Segundo João, com encenação de Jorge Silva Melo, que repuseram em 2006, o mesmo ano em que estrearam Stabat Mater, também com encenação de Jorge Silva Melo e interpretação de Maria João Luís.

O encenador reconhece em Tarantino “um génio provavelmente, homem de tempos muito antigos mas que conhecia como ninguém as dores desta noite, a fuga para a morte”. E remata: “Morreu agora, sozinho. Não tinha já família e as pessoas mais próximas já tinham saído de Turim. Li-lhe, de uma das vezes em que ele passou por Lisboa, Gomes Leal (em português, devagarinho): ‘Eu vejo-a vir ao longe, perseguida/ como dum vento lívido varrida/ (...)/ São os passos nas trevas/ vagarosos os passos da Canalha’. Ia devagarinho traduzindo uma palavra ou outra. Estávamos no Miradouro da Graça, esse bairro onde morreram os últimos anarquistas. O Antonio era desses. E eu adoro-o.”

Esta notícia foi actualizada quarta-feira às 19h29, depois da primeira notícia da imprensa italiana atribuir a morte do dramaturgo à covid-19 durante a tarde de terça-feira, rectificando no dia seguinte a causa da morte.