Reino Unido quer acelerar vacina. Cientistas de Oxford esperam ter uma em Setembro
O Reino Unido criou um novo grupo de trabalho que irá apoiar os vários projectos de desenvolvimento de vacinas para a covid-19.
A corrida à descoberta de uma cura para a covid-19 já começou e a comunidade científica está mais empenhada do que nunca no desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Mas, afinal, quanto tempo teremos de esperar até que esteja disponível uma terapêutica?
O Reino Unido anunciou, esta sexta-feira, que foi criado um novo grupo de trabalho que irá apoiar os vários projectos de desenvolvimento de vacinas para a covid-19. O governo britânico revelou que 21 projectos de investigação irão receber financiamento de um fundo de investimento no valor de 14 milhões de libras (cerca de 16 milhões de euros) para desenvolverem “rapidamente tratamentos e vacinas”. O grupo de trabalho inclui membros da empresa farmacêutica AstraZeneca e da organização britânica Wellcome Trust e será liderado pelo principal conselheiro científico do governo britânico, Patrick Vallance, e pelo especialista Jonathan van Tam.
O objectivo deste grupo é, em primeiro lugar, garantir que as equipas de cientistas e a indústria têm os recursos e apoio necessários para desenvolver uma vacina e, posteriormente, assegurar que as regulações e capacidade de produção da indústria estão em ordem para que seja possível produzir rapidamente a vacina e encurtar o espaço de tempo entre a comprovação da sua eficácia e a sua disponibilização ao público.
Cerca de um milhão de doses de uma potencial vacina para a covid-19, desenvolvida por cientistas da Universidade de Oxford, estão já a ser produzidas, embora os ensaios clínicos não tenham ainda comprovado a eficácia da vacina, avança a agência Reuters.
“Os cientistas britânicos estão a trabalhar o mais rápido possível para encontrar uma vacina contra o novo coronavírus e para salvarem e protegerem a vida das pessoas. Apoiamos firmemente os seus esforços”, afirmou, esta sexta-feira, o ministro para o Desenvolvimento Internacional, Alok Sharma. “O grupo de trabalho para as vacinas (Vaccine Taskforce, na expressão inglesa) é crucial para coordenar os esforços e acelerar rapidamente o desenvolvimento e produção de uma potencial vacina e para que possamos garantir que esta esteja amplamente disponível aos pacientes o mais rápido possível”, acrescentou Alok Sharma.
O governo britânico mostrou-se ainda empenhado em desenvolver estratégias para monitorizar e acelerar os ensaios clínicos e em apoiar esforços internacionais para que se encontre uma vacina para a covid-19.
Entre os projectos que irão receber financiamento encontram-se o teste de uma vacina pelo Imperial College de Londres, um projecto da agência de saúde pública inglesa (Public Health England) para desenvolver um medicamento à base de anticorpos e um ensaio da Universidade de Oxford que pretende averiguar a eficácia de um medicamento antimalárico contra a covid-19, revela a Reuters.
Uma vacina disponível até Setembro?
Embora existam já centenas de projectos para o desenvolvimento de uma cura para a covid-19, os prazos apontados pelos especialistas variam bastante.
Segundo o principal conselheiro científico do governo britânico, Patrick Vallance, citado pelo Guardian, entre um ano a 18 meses é um prazo “razoável” para que uma vacina esteja disponível.
Já os investigadores da Universidade de Oxford, acima referidos, garantem que a sua vacina poderá estar disponível ao público até Setembro. Por outro lado, as farmacêuticas GlaxoSmithKline Plc e Sanofi SA esperam ter uma vacina pronta na segunda metade de 2021.
Na semana passada, a professora da Universidade de Oxford Sarah Gilbert avançou que, no cenário mais optimista, a vacina que está a ser desenvolvida pela sua equipa poderá estar disponível ao público até Setembro. Um prazo que, segundo Sarah Gilbert, será possível cumprir “se tudo correr perfeitamente”. A professora mostrou-se ainda “80% confiante” de que a vacina que a sua equipa está a desenvolver será eficaz, afirmou em entrevista ao diário britânico The Times.
Os ensaios clínicos da vacina deverão começar nas próximas duas semanas. “Acho que há uma grande probabilidade de resultar com base noutras coisas que fizemos com este tipo de vacina. Não é apenas um palpite e, à medida que cada semana passa, temos mais dados para observar. Apontaria para 80%, é a minha perspectiva pessoal”, notou.
Reafirmando que, se tudo correr bem, a vacina poderá estar disponível dentro de cinco meses, Sarah Gilbert deixou, no entanto, um alerta: “Ninguém pode prometer que vai resultar”.
A professora da Universidade de Oxford explicou ainda que as medidas de restrição impostas no Reino Unido devido à covid-19 irão dificultar a testagem de uma vacina, uma vez que foram implementadas para conter a propagação rápida do novo coronavírus. Porém, Sarah Gilbert pôs a hipótese de as vacinas serem testadas em países onde as medidas de distanciamento social são menos rigorosas — o que permitiria comprovar a sua eficácia mais rapidamente.
Afinal, o que está a ser testado?
A 16 de Março, a Moderna Therapeutics, com sede em Massachusetts (EUA), foi a primeira empresa a anunciar os primeiros testes em humanos de uma vacina baseada em ARN-mensageiro. A vacina será testada em 45 pacientes e os primeiros resultados deverão chegar no final de Maio. Dois dias depois, a chinesa CanSino Biologics anunciou que uma nova vacina contra o coronavírus tinha sido aprovada para iniciar os ensaios clínicos — que, de acordo com a Rádio França Internacional (RFI), seriam realizados em “adultos saudáveis entre os 18 e 60 anos”.
Um artigo publicado, esta quinta-feira, pela Bloomberg lista mais de 200 projectos de investigação de curas para a covid-19, entre os quais cerca de 70 vacinais e outros tantos medicamentos, que estão a ser desenvolvidos por investigadores, médicos, empresas de biotecnologia e farmacêuticas em todo o mundo. Contudo, a Bloomberg salienta que nem todas as vacinas e terapias experimentais estão contempladas nesta lista e que uma grande parte dos projectos mencionados encontram-se ainda numa fase inicial, pelo que é necessário interpretar os dados com um “olhar céptico”.
Entre os projectos que têm por base medicamentos antivirais encontram-se o da empresa Gilead Sciences Inc., que está a analisar o Remdesivir (medicamento experimental desenvolvido contra o ébola) no combate à covid-19. No início de Abril, um estudo publicado na revista New England Journal of Medicine revelou que 68% dos pacientes tratados, durante dez dias, com Remdesivir tinham melhorado. Os testes foram feitos em 53 pacientes na Europa, EUA e Canadá, que precisavam de ajuda para respirar (sendo que mais de metade estavam ventilados). No entanto, a Gilead Sciences Inc., que tem a patente do medicamento, não comenta os resultados do estudo e mostra-se apenas desejosa para que “os resultados dos testes fiquem disponíveis”, revelou esta quinta-feira em comunicado.
Outros estudos das universidades de Duke e de Washington estão a analisar a eficácia da Hidroxicloroquina, um medicamento antimalárico que Donald Trump acredita que poderá ser promissor no combate à covid-19. No entanto, há algumas preocupações em relação a este medicamento, depois de França ter registado 43 episódios de problemas cardíacos em pacientes infectados pelo novo coronavírus que estavam a fazer um tratamento com este medicamento.
Há ainda equipas de cientistas que se encontram a analisar substâncias como a Favipiravir ou a eficácia de tratamentos com plasma de pacientes recuperados — como medida preventiva e em doentes com sintomas graves.
O que se entende por “ter uma vacina disponível”
Na segunda-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um comunicado público, assinado por cerca de 130 cientistas, médicos, financiadores e fabricantes, a pedir uma colaboração global para o desenvolvimento de uma vacina.
A 9 de Abril, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) revelou, em comunicado, que “nenhum medicamento demonstrou ainda eficácia no tratamento da covid-19”. A EMA salienta, numa outra nota, que alguns tratamentos, incluindo tratamentos que têm por base o Remdesivir, a cloroquina (usada contra a malária), e os testes de anticorpos encontram-se em ensaios clínicos, mas estima que poderá demorar “pelo menos um ano” até que tais tratamentos e outras vacinas estejam disponíveis.
Porém, Marian Wentworth, presidente da organização norte-americana Management Sciences for Health, que tem vindo a acompanhar o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, explica que tudo depende do que se entende por “ter uma vacina” disponível. “Se te referes a uma que possa ser usada numa campanha de vacinação em massa, permitindo-nos a todos prosseguir com as nossas vidas, então 12 a 18 meses está provavelmente certo”, afirmou ao Guardian. Por outro lado, se nos referirmos a uma vacina experimental considerada segura e eficaz o suficiente para ser administrada de forma mais limitada, por exemplo, a grupos de risco e profissionais de saúde, esta poderá estar disponível dentro de semanas ou meses, diz.
Em circunstâncias normais, uma vacina é desenvolvida em laboratório, testada em animais e só depois em humanos. Os ensaios clínicos dividem-se em três fases: durante a primeira fase, a vacina é administrada a um pequeno grupo de indivíduos saudáveis e a segunda e terceira fases testam a eficácia da mesma durante um surto. A par disso, a capacidade de produção da vacina vai aumentando gradualmente, para que os fabricantes sejam capazes de produzir em larga escala assim que as agências reguladoras derem o parecer para que a vacina seja licenciada.
Especialistas temem que se uma vacina for aprovada daqui a um ano, esta apenas estará disponível ao público no final da actual pandemia. No entanto, conforme escreve o Guardian, a mesma não será desperdiçada, uma vez que um novo surto poderá surgir no futuro. Além disso, a vacina poderá readaptada na eventualidade de ocorrer um surto de um coronavírus diferente.