E se máscaras e ventiladores conseguissem destruir o novo coronavírus?
Empresa está a desenvolver revestimentos para que se possa eliminar o coronavírus SARS-CoV-2 em máscaras e ventiladores.
Em tempos de pandemia, muitas tecnologias estão a ser adaptadas. É isso que a Smart Separations pretende fazer. A empresa já desenvolvia filtros para purificar o ar que resultavam na eliminação do vírus H1N1, causador da gripe suína. A partir dessa tecnologia, a empresa com sede em Londres e uma subsidiária em Braga quer adaptar um revestimento para ventiladores e máscaras que consiga destruir o coronavírus SARS-CoV-2. Neste momento, está em fase de testes.
Há sete anos, depois de ter terminado o doutoramento no Imperial College de Londres, o português Hugo Macedo fundou a Smart Separations. A sua ideia era desenvolver membranas de cerâmica para produzir sangue artificial. Depois veio a intenção de purificar o ar, que acabou por ir para a frente. O seu grande foco era a bactéria Legionella pneumophila.
Mas também se pretendia fazer o mesmo com os microplásticos para tratamento de águas ou para outros microorganismos que causassem problemas em aparelhos de ar condicionado, por exemplo. Neste último exemplo, o objectivo era aumentar a produtividade das pessoas nos escritórios, aumentando a qualidade do ar e evitando gripes e constipações.
Desenvolveu-se então uma membrana (uma superfície plana) de cerâmica com poros cónicos. Dependendo das partículas que se quiser apanhar, o tamanho desses poros pode ser controlado e variar entre um micrómetro (equivale à milésima parte de um milímetro) e 100 micrómetros (0,1 milímetros). Portanto, quando se quiser apanhar partículas de uma substância líquida ou gasosa, as superfícies de cerâmica vão apanhar as partículas que forem maiores do que os poros. Como essas partículas ficam à superfície, pode-se limpar a membrana e removê-las. No caso da purificação do ar, como são de cerâmica, podem lavar-se na máquina de lavar loiça.
A empresa também tem estado a desenvolver revestimentos para pôr nestas membranas. “Nesta lógica, desenvolvemos um filtro de cerâmica com estes revestimentos que consegue destruir perto de 100% de vírus H1N1”, conta Hugo Macedo. “Provámos que era possível limpá-lo e voltar a usá-lo.”
E porque não fazer o mesmo para o SARS-CoV-2? É essa a ideia. “Temos uma tecnologia que seria colocada ao dispor dos transportes públicos ou dos serviços nacionais de saúde no desenvolvimento das máscaras ou dos ventiladores”, indica Hugo Macedo. O filtro não só removeria como destruiria o coronavírus, algo que as máscaras e ventiladores actuais não conseguem fazer. A ideia é colocá-lo dentro de ventiladores e adaptá-lo à própria máscara. “Já temos alguns designs e esperamos em breve poder apresentá-lo ao Governo inglês e, se tudo correr bem, ao Governo português.”
Testes nos Países Baixos
Neste momento, os filtros estão na fase de testes num laboratório que pertence ao Centro Médico e Universitário de Leiden (nos Países Baixos), onde trabalha a portuguesa Natacha Ogando, que está a fazer o doutoramento em virologia na instituição e já estudava coronavírus. Um dos membros da empresa já conhecia Natacha Ogando e entrou em contacto com a cientista para saber se a sua instituição poderia testar os seus materiais. A investigadora reencaminhou o contacto para a pessoa responsável.
O laboratório já recebeu as membranas. “Aquilo que vamos fazer é pôr o vírus em contacto com as membranas e ver se conseguem destruí-lo. Portanto, se conseguem reduzir a quantidade de vírus que pusemos em cima”, explica Natacha Ogando, adiantando que deverão ter resultados nas próximas semanas. “[A importância deste produto é a de] assegurar que as pessoas que estão a usar máscara não sejam contaminadas porque vamos ter uma redução imensa do número de material disponível nos hospitais”, esclarece. “Como temos visto, o contacto é pela superfície ou por contacto pessoal e [este produto] pode prevenir isso, fazendo com que o vírus não permaneça lá. Está provado que este vírus permanece em superfícies por algum tempo.”
Antes desta pandemia, Natacha Ogando já investigava compostos que poderão inibir a replicação de vírus. “Neste sentido, colaboramos com diversas empresas a nível mundial e outros grupos académicos, e damos apoio a diferentes departamentos clínicos do hospital.” Também estuda algumas proteínas do vírus essenciais para a sua replicação e que podem ser potenciais alvos para o desenvolvimento de novos compostos. A partir de Janeiro começou a estudar o SARS-CoV-2, mas antes já investigava os coronavírus MERS e SARS-CoV.
“Sabemos que [o SARS-CoV-2] é muito semelhante ao SARS, mas que é também um bocadinho diferente. Daí a patologia ser diferente da do outro SARS”, refere a investigadora. A doença é mais severa e cria uma carga viral mais elevada nos pulmões, indica. “Sabemos que este vírus, embora se replique da mesma forma do que o SARS, parece adaptar-se mais rapidamente às células que usamos nos estudos in vitro.”
Uma fábrica em Braga
Se tudo correr bem, Hugo Macedo espera que os revestimentos estejam prontos dentro de um mês. Para avançar com a produção e conseguir pô-los ao serviço de população, a empresa está a tentar a captar financiamento. Precisará de quatro milhões de euros. Quanto ao preço, estima-se que um módulo das membranas (revestimento e membranas) que possa ser usado dentro dos ventiladores será 300 euros. “É um custo projectado e até pode ser que consigamos fazer mais barato”, adianta. Neste momento, a Smart Separations também está a pensar de que forma os revestimentos podem ser aplicados a outras superfícies, como luvas e maçanetas.
Para que um dia possa vir a produzir os seus próprios filtros em grandes quantidades, a empresa tem uma bolsa de 1,15 milhões de euros do programa de financiamento Portugal 2020 para construir uma fábrica em Arco de Baúlhe, em Braga. Espera-se que este projecto esteja pronto em dois anos e que a fábrica venha a empregar 20 pessoas.
Para desenvolverem as membranas, a Smart Separations também teve em 2018 uma bolsa de 2,8 milhões de euros do Conselho Europeu de Inovação (EIC, na sigla em inglês). Hugo Macedo avisou o EIC que estavam a adaptar a tecnologia à situação actual. Quando abriu um concurso para financiar soluções inovadoras para o coronavírus, o EIC acabou por destacar no seu site este como um dos projectos que está a financiar e que pode ajudar no combate ao novo coronavírus.