Preocupação num lar de pessoas com deficiência em Vila do Conde: 83 dos 94 residentes com testes positivos
Parte dos 49 funcionários só este sábado fez testes. Dos 22 antes já testados, 16 estão com covid-19. Os que foram rendê-los ainda não fizeram teste.
O alerta soou com uma pessoa residente que teve um acidente cerebral vascular e foi assistida no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos. Agora, 83 residentes e 16 funcionários do Centro de Apoio e Reabilitação de Pessoas com Deficiência de Touguinha, em Vila do Conde, estão com covid-19. E os números ainda podem crescer, já que 27 funcionários aguardam o resultado dos testes que fizeram este sábado.
Os detalhes são trazidos, por telefone, pelo mesário da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, Rui Maia. Aquela pessoa sofreu um AVC no dia 31 de Março. Saiu da quinta numa ambulância, sem quaisquer sintomas de covid-19. No dia 2 de Abril, um telefonema do Pedro Hispano. Por rotina, tinham-lhe feito um teste e dera positivo. Em menos de um amém, a apreensão estava instalada. “Se aquela pessoa, sem febre, sem tosse, sem dificuldades respiratórias, tinha covid-19, quem podia garantir que outras não teriam?”
O cabo dos trabalhos foi arranjar os testes. “Foi preciso muita insistência”, reconhece. “Falámos com toda a a gente.” Por toda a gente entenda-se “a autoridade de saúde local, o centro hospital, os laboratórios”. Voltaram tudo. Sempre convencidos de que estavam perante “um pequenino foco”. “Ninguém espera isto”, vai repetindo Rui Maia. “Só soubemos porque testámos toda a gente. Não havendo sintomas, a indicação nem é para testar.” Primeiro, foram testadas “as pessoas que tinham tido contacto directo”. Depois, pouco a pouco, as restantes. Sempre no escuro, sempre com receio. “Os primeiros sintomas só surgiram esta semana, na quarta e na quinta-feira”, afiança Rui Maia.
Dois centros dentro da quinta
O contágio está generalizado. Dos 94 residentes testados, 83 acusaram covid-19. Esses permanecem quase todos no lar, que ocupa dois edifícios, um com cinco unidades, outro com uma. Até agora, apenas um seguiu para uma unidade de saúde. “Tem problemas associados. Como apareceu febril, enviámos para o hospital.” De resto, Rui Maia conta “quatro residentes com febre”.
Agora, é como se existissem dois centros dentro da quinta. Uma cerca sanitária separar a “zona contaminada” da “zona limpa”. Há espaços específicos para descontaminação de profissionais e áreas de circulação. E uma equipa de saúde reforçada, com enfermeiros e médicos em permanência.
Os 11 residentes não infectados fazem a sua vida no centro de actividades ocupacionais, entretanto sujeito a uma transfiguração — afastaram-se mesas e cadeiras e montaram-se camas. Há mais três, mas encontram-se em casa de familiares desde o início da pandemia.
Os funcionários não saem ilesos. Foram testados os 22 que trabalhavam directamente com os residentes e que com eles vivem duas semanas seguidas: 16 obtiveram resultados positivos e seis negativos. Os outros, que prestam serviços de apoio, só este sábado se sujeitaram ao teste.
Seguindo as orientações da tutela, o centro partira a equipa em duas: metade ao serviço, metade em casa. “Tínhamos uma equipa no exterior pronta para entrar”, afirma o mesário. Ponta é como quem diz, porque não se sujeitou a testes. Isso só irá acontecer “assim que for possível”. Entre sexta e sábado, houve troca de turnos. A nova equipa entrou “toda equipada, com fatos, máscaras, óculos, luvas”. E a esperança de que, as duas semanas que esteve em casa sem sintomas, seja, de facto, um indicador de que não contraiu o coronavírus.
A instituição terá de começar já a preparar a próxima mudança de turno, recorrendo a funcionários de outras valências. Entretanto, um mistério permanece. Como é que o vírus entrou ali dentro? “Tivemos todo o cuidado”, repete o mesário. No dia 12 de Março, a Segurança Social deu ordens para suspender visitas e saídas. “A única coisa que se fazia era ir a consultas inadiáveis”, garante. "Este panorama assusta sempre”, admite. “As pessoas estão [emocionalmente] instáveis.” São homens e mulheres, quase todos com deficiência mental, todos já adultos, a maior parte na meia-idade, alguns a rondar os 60 anos. “Os familiares estão tranquilos dentro do possível.”
O cuidado é confirmado por Duarte e Patrícia Lázaro, que adoptaram um rapaz e acompanham uma irmã dele, de 20 anos, que ali mora. Logo no dia 13, disseram-lhes que tinham de escolher: ou a iam buscar logo ou só a veriam no fim da pandemia. Depressa, criaram uma conta de Facebook para facilitar videochamadas entre os residentes e as famílias. “Chamavam diariamente”, diz ele. Também informaram que a equipa se reorganizara. Sexta-feira à tarde, um telefona. “A menina tem covid-19.” “É complicado para ela entender o que está a acontecer ali dentro”, concede Duarte. “Ela tem uma debilidade mental. Como não se sente doente, para ela é muito confuso.”
Caso único, por enquanto
Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), diz que, para já, este é caso único. “Pode haver um ou outro caso positivo em lares residenciais, mas nada assim.” Não lhe parece motivo para descanso. “Ninguém está livre, não é?” Por precaução, a UMP começou este sábado a fazer testes no Centro de Apoio a Deficientes Profundos João Paulo II, de Fátima, o maior do país, com lotação para 192 pessoas. O mesmo planeia fazer nos seus lares de Borba e Santo Estêvão. “Não temos ninguém com sintomas, queremos fazer isto por uma razão muito simples: estas pessoas têm muita dificuldade em expressar-se, não dizem que têm a garganta seca, que lhes dói. São as mais frágeis das mais frágeis.”