Eurogrupo tem mais um dia para resolver impasse sobre condicionalidade

Mantém-se o braço-de-ferro entre a Itália e a Holanda para o recurso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade. Quanto aos outros pontos na agenda, já há acordo de princípio.

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Yves Herman

Já não há dúvida de que um dos elementos da resposta financeira de emergência à pandemia do coronavírus passa pelo recurso a uma linha de crédito caucionada do Mecanismo Europeu de Estabilidade, mas ainda não há consenso sobre o tipo de condicionalidade que os Estados-membros que se candidatarem a esse financiamento vão ter de cumprir. Esse é o impasse que terá de ser ultrapassado pelos ministros das Finanças da União Europeia, quando retomarem os trabalhos do Eurogrupo, na quinta-feira. Para já, não se exclui a hipótese de o assunto ter de ser resolvido directamente pelos chefes de Estado e Governo, por incapacidade de entendimento dos ministros.

A reunião do Eurogrupo foi suspensa ao início da manhã desta quarta-feira, depois de 16 horas de discussões em que, segundo o PÚBLICO apurou, foi possível aproximar consideravelmente as posições de partida dos Estados-membros, divididos em dois campos divergentes e extremados: de um lado, os países que se recusam a submeter-se a um programa de ajustamento macroeconómico para poder aceder ao financiamento em condições mais favoráveis do que conseguem nos mercados, com a Itália à cabeça; e do outro aqueles que insistem que os beneficiários da linha especial de crédito cumpram condições estritas para receber esse dinheiro. A Holanda mostrou-se particularmente inflexível — uma fonte diplomática dizia que a preocupação era que os empréstimos não fossem “money for free” (dinheiro grátis).

As diferenças de opinião fizeram-se notar em várias das outras matérias em discussão, mas só no ponto relativo à condicionalidade foi impossível, até ao momento, chegar a uma solução aceite por todos. A proposta inicial avançada pelo presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, que previa como condição que o financiamento estivesse ligado à despesa com o combate à pandemia, foi classificada como “insuficiente” pelos países que exigem condições programáticas e garantias de futura estabilização económico-financeira para o acesso ao dinheiro.

A proposta assenta na utilização de uma linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que tem disponível um envelope de cerca de 400 mil milhões de euros, para o financiamento do esforço orçamental de resposta à crise provocada pelo coronavírus. Cada Estado-membro teria garantida uma capacidade de crédito correspondente a 2% do seu Produto Interno Bruto, o que no caso de Portugal corresponderia a 4000 milhões de euros. Os cálculos apontam para uma poupança nos custos de financiamento do Estado português pouco superiores a 30 milhões de euros ao ano nas condições actuais do mercado.

Um modelo a dois tempos

Do ponto de vista jurídico, o MEE não pode conceder crédito sem a assinatura de um programa de contrapartidas macroeconómicas, pelo que o desafio do presidente do Eurogrupo era encontrar uma fórmula que limitasse ao mínimo a condicionalidade obrigatória para o desembolso do dinheiro. A discussão durante as longas horas da reunião — que começou ao início da tarde de terça-feira e se prolongou pela madrugada, com várias pausas para contactos bilaterais, até ser suspensa nesta quarta-feira de manhã — fez-se em torno de um modelo a dois tempos, em que no curto prazo se exigia uma condição mínima de canalização das verbas para o combate à crise sanitária e no médio-longo prazo se estabeleciam critérios para a correcção dos desequilíbrios macroeconómicos dos países beneficiários.

Para afastar o fantasma dos planos de resgate e das visitas de acompanhamento da troika, os ministros (incluindo o holandês) concordaram que o acesso à linha de crédito não implicava o cumprimento de um programa de ajustamento macroeconómico no formato “clássico”. Quando os trabalhos foram suspensos, o debate centrava-se antes de mais na condicionalidade a longo prazo: se ficaria apenas ligada ao Semestre Europeu e ao cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento ou se, como exigia a Holanda, seria criado um plano mais estrito, ajustado às circunstâncias específicas de cada Estado-membro.

As negociações serão oficialmente retomadas nesta quinta-feira, mas até lá os ministros não vão ficar parados. Nesta quarta-feira, as negociações continuam informalmente, à margem dos compromissos que vários governantes já tinham na agenda. Vários responsáveis, caso dos ministros das Finanças da França e Alemanha, disponibilizaram-se publicamente para mediar o braço-de-ferro entre a Itália e a Holanda. Bruno Le Maire e Olaf Scholz, respectivamente, publicaram mensagens praticamente idênticas na rede Twitter, aconselhando os países a abandonar posições rígidas e a unir esforços para resolver a difícil situação financeira provocada pela pandemia. “Todos os Estados-membros precisam de se mostrar à altura deste desafio excepcional para obter um acordo ambicioso”, escreveu Le Maire.

O ministro francês deixou em cima da mesa uma proposta para a fase posterior da recuperação económica, que passa pela criação de um novo fundo europeu de apoio à economia com verbas totais equivalentes a 3% do PIB da zona euro, que seria financiado através da emissão de dívida garantida pelos Estado-membros. A ideia foi bem acolhida, embora tenha sido avaliada ainda de forma muito preliminar, até porque não constava da agenda oficial da reunião nem do mandato que foi dado ao Eurogrupo pelos líderes europeus — na divisão de tarefas, foi decidido atribuir aos presidentes do Conselho Europeu e da Comissão Europeia a responsabilidade de apresentar um plano para a recuperação da economia.

A proposta francesa é vista como um bom compromisso para ultrapassar a discussão tóxica sobre a mutualização da dívida e a emissão de obrigações europeias — as chamadas “coronabonds”,  que se tornaram uma “linha vermelha” para algumas capitais e pura e simplesmente não estiveram em discussão na reunião do Eurogrupo. Mas se os ministros concordaram que perante a recessão profunda que se adivinha faz sentido desenvolver um instrumento especial que neste momento não existe, também assinalaram as dificuldades técnicas e os obstáculos jurídicos que essa medida implica. Entre as dúvidas levantadas estava, naturalmente, a questão crítica do financiamento, mas também a ligação (ou não) deste novo fundo ao próximo quadro financeiro plurianual e à eventual colisão com os preceitos constitucionais de vários Estados-membros.

Sem polémica, os ministros das Finanças subscreveram a proposta para a criação de um instrumento de apoio à actividade das empresas pelo Banco Europeu de Investimento no valor de 200 mil milhões de euros, depois de uma breve discussão sobre se o financiamento devia circunscrever-se às pequenas e médias empresas ou alargado a todas. O acordo encontrado foi para que esse instrumento seja aberto a todas, mas que as candidaturas das PME deverão ser priorizadas.

A aprovação da proposta do novo programa SURE para a preservação do emprego que foi apresentada pela Comissão Europeia também está quase fechada, apesar de alguns Estados-membros terem manifestado algumas reservas sobre os contornos do programa, que na sua opinião pode evoluir para um esquema de resseguro de desemprego que não aceitam. Os ministros avaliaram um eventual alargamento do âmbito do programa, para incluir outros elementos que não apenas a protecção dos postos de trabalho durante o período de paralisação da actividade das empresas. Fonte europeia estimou que não será difícil acertar os termos para o programa, bem como a sua duração e complementaridade, em vez de sobreposição, com os programas nacionais.

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