“Devo a vida” ao SNS: o testemunho de quem recupera do coronavírus

O termómetro atestava a febre e as dores musculares incomodavam, mas Miguel Duarte não se afligiu em demasia. A hipótese de uma constipação superava a possibilidade de ter o novo coronavírus: “Pensava que não me ia calhar logo a mim isto.”

Assim parecia, inicialmente. Durante uma semana, fez medicação para descer a febre e foi oscilando entre melhorias e retrocessos. Mas a dada altura juntava aos sintomas iniciais a falta de apetite e de força, a dificuldade respiratória. Na linha Saúde 24 mandaram-no para o São João, no Porto. Eram 16h.

O hospital pareceu-lhe “perfeitamente preparado”. Tudo estava “muito bem organizado, estruturado, dividido”. Os médicos passavam protegidos dos pés à cabeça. Fez um raio x, análises ao sangue, o teste à covid-19. Eram “três ou quatro da manhã” quando foi internado. O resultado era positivo.

Dividiu o “quarto com pressão negativa” com mais dois pacientes. E quando o médico fez a visita, perguntou a medo pelo prognóstico. “Estava estável mas tinha um prognóstico reservado porque tinha uma pneumonia muito floreada a afectar os dois pulmões. Só tempo diria o futuro.”

Não esmoreceu. Com uma “atenção sem igual” dos profissionais de saúde a funcionar como pilar, adoptou a música como “amuleto”. Ouviu vezes sem conta Yellow ledbetter, dos Pearl Jam. Animava os colegas, ajudava os auxiliares a distribuir a comida, media a própria febre. “Dois minutos em 24 horas não é nada. Mas quando se está num quarto de hospital é complicado. Há tempo para pensar em muita coisa.”

A alta hospitalar chegaria uma semana depois. A recuperação é agora feita em casa, dentro de um quarto, isolado da mulher e dos quatro filhos. “A família está bem, ninguém teve sintomas”, congratula-se. Os filhos estavam em casa mesmo antes das escolas encerrarem oficialmente, entre eles cortaram beijos e abraços desde cedo. “Custou muito, mas a eficácia está provada”. Mesmo com Miguel infectado, o resto da família resistiu.

Ainda rouco, pensa agora em todos os profissionais de saúde. “É a esses que devo a vida.” Se passasse por eles na rua talvez não lhes conhecesse os rostos, porque estavam sempre tapados com material de protecção. Mas as vozes, essas, jamais as esquecerá. Mariana Correia Pinto