Covid-19: mais de metade dos ventiladores que chegaram domingo ficam na Grande Lisboa
Oferta de milionária taiwanesa, que tem uma promotora imobiliária dedicada a projectos de luxo, foi dirigida à Câmara de Lisboa e acabou por ser partilhada com a área metropolitana. Isto apesar de a região Norte concentrar mais de 57% dos casos confirmados de covid-19.
Apesar de a região Norte concentrar 57% dos casos confirmados de covid-19, mais de metade dos 144 ventiladores que chegaram este domingo da China num avião fretado pelo Estado português vão ficar na Grande Lisboa. Isto porque resultam de uma oferta feita à Câmara Municipal de Lisboa por uma milionária de Taiwan, que possui uma promotora imobiliária especializada em projectos de luxo, a Reformosa, sediada na capital portuguesa. Por decisão do município de Lisboa, o donativo foi partilhado com as autarquias da Área Metropolitana de Lisboa (AML), tendo cabido ao Ministério da Saúde a distribuição dos ventiladores pelos hospitais da Grande Lisboa.
Isso mesmo foi explicado ao PÚBLICO pela Câmara de Lisboa, numa resposta enviada por escrito. O Ministério da Saúde confirmou a informação, adiantando que três dos ventiladores (máquinas que ajudam os doentes a respirar) foram comprados pela Câmara de Cascais, não sabendo o Governo qual o destino dos equipamentos.
No avião fretado pelo Estado português vieram ainda 50 ventiladores oferecidos pela EDP e pela sua principal accionista, a China Three Gorges. Dos 144 ventiladores, apenas 13 foram comprados pelo Estado português, através da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Um valor bem diferente do que o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, referiu a semana passada, quando indicou que da encomenda de 900 ventiladores feita pela ACSS, 144 iriam chegar ainda essa semana.
Segundo o Ministério da Saúde, a distribuição de 141 ventiladores foi decidida pelo Grupo de Trabalho de Coordenação da Resposta Nacional de Medicina Intensiva à Pandemia COVID-19, que se encontra a trabalhar junto da ACSS. E levou em conta as necessidades expressas pelos diversos hospitais e a respectiva capacidade de aumento de número de camas. O Ministério da Saúde admite, contudo, que houve uma “única restrição” à distribuição e que esta se prendeu “com a vontade do doador” que ofereceu 78 ventiladores “a hospitais da Área Metropolitana de Lisboa”.
Sobre esta doação feita pela empresária taiwanesa Ming-Chu Hsu, dona da Reformosa, que tem diversos projectos imobiliários de luxo em Lisboa e em Cascais, a câmara da capital explica: “A intenção de doação foi inicialmente afirmada pela benemérita à Câmara de Lisboa. Por proposta da Câmara de Lisboa, com o acordo imediato da benemérita e dos restantes municípios, a doação foi feita ao conjunto dos 18 municípios da Área Metropolitana de Lisboa”, afirma a autarquia da capital. A câmara lisboeta liderada por Fernando Medina justifica que “nos 18 municípios da AML residem quase 2,7 milhões de portugueses, cerca de 30% da população nacional”.
Nada diz quanto ao facto de a região Norte estar a ser bastante mais afectada pelo novo coronavírus e contabilizar 54% dos mortos por covid-19 no país, um número que, segundo os dados oficiais divulgados esta segunda-feira, se cifrava nos 311. Os números mostram igualmente que há 270 internados nos cuidados intensivos, as unidades onde são habitualmente acolhidos os doentes que necessitam de ventiladores para respirar. Uma parte significativa destes doentes encontra-se na zona Norte. Só o Hospital de S. João, no Porto, tinha esta segunda-feira 51 internados com covid-19 nos cuidados intensivos.
Para explicar a partilha da oferta com os restantes municípios da área metropolitana, a Câmara de Lisboa sublinha que todos “têm trabalhado de forma unida e coesa desde sempre” com várias realizações concretas e que as 18 autarquias têm uma plataforma de gestão integrada de recursos como máscaras, luvas, refeições e viaturas, entre outras coisas.
Autarquia “coordenou directamente com benemérita”
Ao contrário do que aconteceu com o Ministério da Saúde, que recusou especificar as unidades hospitalares que vão receber os ventiladores, a Câmara de Lisboa informou que os centros hospitalares da capital (Norte, Centro e Ocidental) vão receber 29 máquinas no conjunto; o Garcia de Orta, em Almada, o Beatriz Ângelo, em Loures, e o Hospital Dr. José Almeida, em Cascais, 15 cada um; e, por fim, que para o Amadora/Sintra vão quatro aparelhos.
A câmara lisboeta faz questão de sublinhar que “coordenou directamente com a benemérita e com a embaixada portuguesa em Pequim” todo o processo de encomenda e transporte dos ventiladores. “Foi um processo altamente complexo, com encomendas perdidas na última hora para concorrentes muito agressivos, e que exigiu um esforço impressionante da benemérita e da embaixada portuguesa”, nota.
A câmara liderada por Fernando Medina garante estar “consciente das necessidades do país” e por isso diz ter decidido “atribuir 12 ventiladores ao SNS para atribuição a qualquer hospital ou hospitais do território nacional (que não na AML), ventiladores esses que se espera cheguem muito em breve”.
Esta segunda-feira, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, fez questão de abordar este tema na conferência de imprensa diária de balanço da pandemia. “Das doações feitas por vários organismos, [é de] referir que já foram entregues e continuarão a ser entregues durante o dia de hoje 144 ventiladores a hospitais de todo o país, de norte ao sul, de acordo com as necessidades e respeitando a equidade na distribuição”, referiu o responsável, acrescentando que estes aparelhos são cruciais numa altura em que aumenta a quantidade de doentes em cuidados intensivos.
Nada disse, contudo, quanto à oferta dos 78 aparelhos. À chegada do avião fretado pelo Estado português, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, anunciou na TVI que 78 ventiladores seriam atribuídas aos hospitais da Área Metropolitana de Lisboa. E confortava-se com o facto de a oferta “permitir cumprir” a parte de Lisboa “como cidade capital”, remetendo os 12 aparelhos “que estão para chegar na próxima semana” para “serem distribuídos por todo o país, ou melhor, pelos locais do país onde eles forem mais necessários neste momento”.