Quatro medidas para salvar vidas e minorar o descalabro da economia portuguesa

Não ficaríamos de consciência tranquila sem deixar à consideração do Governo português e da opinião pública as seguintes medidas que poderão salvar vidas e minorar o descalabro da economia portuguesa nos próximos meses ou anos.

A epidemia do vírus SARS-Cov-2 traduziu-se num desafio de Saúde Pública sem paralelo desde há décadas. No entanto, fruto das capacidades técnicas, científicas e epidemiológicas atuais é expectável a possibilidade de a controlar, e de evitar um desfecho semelhante ao da gripe espanhola de 1918, que dizimou 17-50 milhões de pessoas (correspondente a cerca de 2-6% da população mundial da altura).

A estratégia mais comum seguida pela maioria dos países tem sido a da redução dos contactos individuais através do confinamento social generalizado e obrigatório. Esta estratégia já se demonstrou eficaz nos países asiáticos como a China, Singapura, Hong Kong e Japão, mas desconhece-se a sua eficácia e cumprimento a longo prazo.

Embora estejamos de acordo com as medidas semelhantes que foram adotadas em Portugal pelas autoridades sanitárias e pelo Governo, a sua sustentabilidade a médio e longo prazo levanta-nos questões importantes. De facto, ao achatar a curva de novos casos, o isolamento social permite uma resposta adaptativa do sistema de saúde hospitalar e, assim, a ocorrência de menos mortes, mas prolonga por um período desconhecido, provavelmente meses, a necessidade de isolamento e de paragem total da economia. Contudo, será esta medida sustentável, com paralisia da economia durante um ano, até ao aparecimento da vacina ou até 70% da população estar infetada (valor de imunidade coletiva necessária para a regressão do vírus)?

Entretanto têm surgido exemplos de medidas adicionais, nomeadamente em países como a Coreia do Sul, Alemanha, Islândia e Noruega, que adotaram medidas de diagnóstico alargadas, testando a população e tentando manter a economia a funcionar. O caso da Coreia do Sul é paradigmático, uma vez que naquele país a curva de progressão da infeção entrou em fase decrescente.

Neste contexto, não ficaríamos de consciência tranquila sem deixar à consideração do Governo português e da opinião pública as seguintes medidas que poderão salvar vidas e minorar o descalabro da economia portuguesa nos próximos meses/anos:

1. Manter as medidas já implementadas do Ministério da Saúde e da Direção Geral da Saúde até à redução do risco epidemiológico para níveis baixos na população portuguesa. Para isso, e uma vez que a imunidade populacional alargada só será possível dentro de muitos meses, eventualmente após centenas ou milhares de mortes e obrigando a um confinamento social estrito e prolongado, a nossa proposta aponta para a utilização alargada de teste.

Uma outra área que se está a revelar determinante diz respeito à formação emergente de profissionais de saúde, nomeadamente nas competências necessárias ao controlo da epidemia e na prestação de cuidados aos doentes com covid-19. Entre estes, profissionais com experiência na utilização de ventiladores, pode vir a ser fundamental.

2. Investir na aquisição e produção nacional de testes, quer moleculares quer serológicos. Desde início de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde, pela voz do seu secretário-geral, tem aconselhado a generalização dos testes, repetindo: “testem, testem, testem.”

Recentemente, um estudo desenvolvido por investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do CINTESIS demonstrou que a adoção de testes pode ser economizadora de custos, pois os custos implicados na realização adicional de testes podem acabar por ser inferiores aos subsequentes de internamentos de doentes se aquela medida não for adotada. Chamamos a atenção de que neste modelo apenas foram quantificados os ganhos em internamentos e não foram considerados os eventuais ganhos na reativação da economia. Nesse sentido, percebe-se como a execução de testes diagnóstico em grande escala poderia identificar mais precocemente casos de infeção covid-19, prevenindo novas infeções e evitando internamentos e mortes.

3. Neste âmbito será fundamental testar regularmente todos os profissionais de saúde e todos os trabalhadores do setor primário no ativo, bem como todos os doentes ou utentes internados ou institucionalizados (prisões e lares – que se têm revelaram um foco importante de difusão da doença) e todos os contactos dos casos positivos.

Os testes serológicos podem ser usados em grande escala, como está a ser idealizado no Reino Unido e Alemanha, para identificar quem já desenvolveu anticorpos contra o SARS-Cov-2 (e está imune), por forma a possibilitar um retorno mais precoce à atividade laboral sem comprometer a segurança coletiva.

4. Manter as escolas, restauração, locais de espetáculo e de culto, encerrados, mantendo as atividades que a via informática possibilita, até ser possível testar uma grande fração da população ou atingir o controlo da pandemia.

Esperamos, com esta proposta, baseada na utilização maciça de testes, com deteção precoce dos casos e dos cidadãos já imunizados, poder contribuir junto da tutela para minorar os efeitos desta epidemia devastadora, conseguindo que menos pessoas venham a ser infetadas, menos mortes ocorram e, sobretudo, a atividade económica seja reativada o mais rapidamente possível.

Herlander Marques, Investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços da Saúde e do CCA-Braga (Centro Clínico Académico de Braga). Médico Especialista de Medicina Interna e Oncologia do Hospital de Braga

Altamiro Costa Pereira, Director da Faculdade e Medicina da Universidade do Porto

Carlos Sottomayor, Médico Especialista de Medicina Interna e Oncologia do Hospital de Matosinhos

Bernardo Sousa Pinto, Investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do CINTESIS – Center for Health Technology and Services Research

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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