O vírus e o adeus antecipado

Ficar fechado na residência sem esperança de que a situação se normalize em tempo útil de ter uma experiência Erasmus como previa torna tudo mais solitário e saturante. Itália decide prolongar o estado de emergência até 31 de Julho e a ansiedade de estar fechada aumenta.

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Erol Ahmed/Unsplash

Vigésimo dia de quarentena em Milão e decidi partir. Deixar um sonho a meio não é fácil. O coração aperta quando é tempo de deixar esta segunda casa, mesmo sabendo que estamos a regressar à nossa primeira.

A situação da pandemia em Itália parece não querer abrandar e ninguém consegue prever como se irão desenrolar os próximos meses. As aulas e avaliações estão a ser feitas digitalmente. As medidas de isolamento estão cada vez mais apertadas no Norte do país. Ficar fechado na residência sem esperança de que a situação se normalize em tempo útil de ter uma experiência Erasmus como previa torna tudo mais solitário e saturante.

Itália decide prolongar o estado de emergência até 31 de Julho e a ansiedade de estar fechada aumenta. Na noite de quinta-feira decidi, numa esperança ínfima de poder voltar ao nosso país antes do Verão, procurar alternativas para o trajecto de regresso desta aventura. Um voo no sábado de manhã parece ser a luz ao fundo do túnel. Depois de pensar duas vezes, mas não uma terceira, comprei o bilhete. Estava decidido o fim daquele que tinha sido o sonho planeado por longos meses. As lágrimas que correm pela cara mostram a dor de ter de abandonar um plano, mas o sorriso de coração apertado mostra a ansiedade de um regresso em segurança. O regresso a Portugal.

Comigo regressa a única portuguesa que ainda estava de Erasmus na minha residência. As ruas de Milão na manhã de sábado estão desertas. Durante os 40 minutos de viagem entre o centro da cidade e o aeroporto, o motorista tem tempo de mostrar compaixão por duas estudantes que, tal como a sua filha, tiveram de cancelar sonhos por causa desta ameaça global. Há ainda tempo de criticar a acção do governo italiano e da União Europeia — quase mil mortes a lamentar no dia anterior em Itália aumentam a revolta.

O aeroporto assemelha-se a um edifício abandonado. Não se vê a azáfama do costume à entrada, apenas táxis e polícia. O nosso voo com destino à Alemanha, onde fizemos escala para Portugal, pareceu ser o único em todo o aeroporto. Seguranças recordam de cinco em cinco minutos que a distância social de segurança tem de ser cumprida. Toda a gente usa máscara e, alguns, luvas. Os cuidados são máximos. O primeiro voo foi cheio e isso fomentou o medo e a desconfiança entre os passageiros.

A escala é feita em Frankfurt e o controlo é apertado. À nossa frente vemos pessoas a serem proibidas de embarcar para outros voos ou de entrar na Alemanha. A ansiedade é grande e o medo de não conseguir entrar no próximo avião aumenta. Medem-nos a febre e questionam para onde vamos e porquê. Conseguimos entrar e inicia-se uma corrida desenfreada por um aeroporto que parece não ter fim.

 O passo apressado vale a pena e a porta de embarque fechou um minuto depois de entrarmos no voo. Um suspiro de alívio: estávamos no avião com destino a Portugal. O mais difícil já tínhamos conseguido e o sonho deixado para trás toca-nos cada vez mais.

Já em Lisboa, agora com um sentimento de alívio por estarmos em casa, o processo de saída do aeroporto parece normal. Não há muito controlo e ninguém faz perguntas. No aeroporto não se vê quase ninguém, facilmente se cumpre a distância social de segurança. Ainda assim, a jornada não estava terminada. Ainda tinha cerca de 350 quilómetros de viagem para poder verdadeiramente dizer que cheguei a casa, à cidade de Braga.

Por segurança, minha e dos outros, decidi que a melhor escolha seria alugar um carro e fazer o trajecto de volta a casa sozinha. Durante toda a tarde de sábado a A1 está deserta. Via alguns carros de meia em meia hora, mas a sensação que tinha era de um país parado. Quando começo a ver os primeiros carros e ao que posso chamar de pequena azáfama — tendo em conta a situação e nada que se compare ao trânsito caótico do Porto — acontece ao passar o Estádio do Dragão. A viagem seguiu e depois de quatro horas ao volante cheguei finalmente à minha terra do coração.

Agora resta cumprir os 15 dias de isolamento. Depois de três meses fora de casa, decidi fazer a quarentena de prevenção também fora de casa. Serão duas semanas sem ver os meus pais, para assegurar que não coloco a saúde deles em risco. Serão duas semanas em que vou poder reflectir sobre toda a experiência, sonhos e vontades que deixei para trás. Decidir regressar não foi uma escolha fácil, mas foi uma escolha necessária.

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