Os prazos judiciais estão mesmo suspensos!

As “interpretações à la carte”, que parecem ser moda no tempo em que vivemos, não fazem sentido no Estado de Direito, sobretudo quando os tempos são de medo. Os advogados não são parte isolada da sociedade e, como tal, serão vítimas em igual medida desta tempestade.

Dura lex, sed lex” é uma expressão que nos ensinam nas primeiras jornadas das Faculdades de Direito e não por acaso: a interpretação ab-rogante, revogatória, não é admitida na nossa Ordem Jurídica

Por isso mesmo, e perante uma interpretação singularmente ab-rogante, que deu à costa na terça-feira, nomeadamente em artigo de opinião no PÚBLICO online, assinado pelo Dr. Miguel Esperança Pina, voltei a analisar a Lei que suspendeu os prazos processuais (Lei n.º 1-A/2020), cabendo-me, nos termos do artigo 7.º, partilhar convosco o seguinte:

1. os prazos processuais encontram-se suspensos, quer para a prática de actos em papel, quer por meios informáticos, encontrando-se suspensas, também, a realização de audiências de julgamento;

2. os prazos de prescrição e de caducidade encontram-se, também, suspensos relativamente a todo o tipo de processos e procedimentos, alargando-se, assim, esses prazos na medida dessa suspensão;

3. os prazos relativos a processos urgentes encontram-se, também, suspensos, admitindo-se (sublinho a palavra admissão, remetendo para um bom dicionário, recomendando o Houaiss) a prática de actos processuais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada;

4. realizar-se-ão apenas (sublinho outra vez a palavra apenas, remetendo de novo para o dicionário) os actos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente os indicados no número 9 do artigo 7.º.

5. os processos relativos a imóveis arrendados, designadamente os que imponham a cessação do contrato de arrendamento, estão, também, suspensos.

Perante o exposto, permitam-me dizer o seguinte: o Legislador não podia ter sido mais claro na sua intenção de suspender os prazos e diligências processuais, todos os prazos e todas as diligências, excepto as referências sobreditas, sublinho, até que seja alterada a presente Lei – ou revogada.

Esta interpretação não precisa de encontrar soluções económicas, considerando que a actual epidemia de covid-19 impõe o isolamento social – é essa, aliás, a salvação da sociedade, segundo todas as orientações técnicas.

Ora sendo o processo judicial, pelo menos aquele que eu conheço, um processo de partes, representando o Advogado uma dessas partes, seria estranho que se pudesse utilizar a “arte da advocacia” sem que o Advogado pudesse reunir presencialmente, no seu “castelo”, como o meu Mestre chama ao escritório, com o cliente, com a parte.

Para pior, as peças processuais não contêm apenas arrazoados. Bem pelo contrário, muitas das vezes são completadas com centenas de documentos, que são entregues por clientes, que nos explicam o seu teor, mais uma vez presencial e sigilosamente.

Ora a presente Lei, embora, admita, seja incomodativa para quem pretende litigar continuamente, mesmo em período de tragédia, respeita os anseios da Justiça no que respeita aos prazos e diligências processuais, pelo que é absolutamente essencial para o tempo em que vivemos: a advocacia, sobretudo para quem trabalha em contencioso, é uma profissão que depende da presença, das reuniões e da discussão, condições essenciais à compreensão das causas. Sem isso, a Justiça não cumpre a sua parte. Foi, assim, prudente o Legislador nesta medida. Prudente e ajuizado, diria.

Embora esta interpretação me vincule só a mim e valha, provavelmente, pouco, será aquela que aplicarei à minha advocacia, tendo sido acolhida, sem requerimento e por iniciativa oficiosa, em todos os processos em que sou advogado.

Sublinho, por fim, que as “interpretações à la carte”, que parecem ser moda no tempo em que vivemos, não fazem sentido no Estado de Direito, sobretudo quando os tempos são de medo. Os advogados não são parte isolada da sociedade e, como tal, serão vítimas em igual medida desta tempestade.

Seria mais oportuno, neste momento, se a advocacia, enquanto unidade orgânica, se unisse em torno da protecção social, da colaboração entre colegas e da solidariedade profissional. Seria mais oportuno e, sobretudo, mais justo.

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