Sector têxtil estima perdas acima de 50% já em Abril
Industriais pedem celeridade ao Governo nos apoios. “Não há tempo. Vem aí um tsunami. Ou dão-nos ferramentas para fazer barricadas, ou vamos todos na enxurrada”, diz presidente da ATP.
Há 114 dias, a palavra mais temida por Mário Jorge Machado era “incerteza”. No início de Dezembro, quando apresentou o plano estratégico do sector têxtil e vestuário, as dúvidas eram o “Brexit”, a conjuntura internacional, a transformação tecnológica. Quase quatro meses depois, as dúvidas esfumaram-se e instalou-se uma certeza: 2020 será um ano de recessão para esta indústria.
“Se há previsões fáceis de fazer, essa é uma delas”, resume, com alguma resignação o líder da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP). Metade da facturação vai esfumar-se em Abril. E muitas empresas estão a ver os clientes a recusarem pagar as encomendas entregues em Março. Alguns chegam até a recusar a recepção do trabalho feito por empresas portuguesas, que assim se vêem na obrigação de guardar tudo, depois do dinheiro gasto na produção.
“O sector depara-se com sucessivos adiamentos e cancelamento de encomendas por parte dos clientes, que em alguns casos não chegam a pagar encomendas já recebidas, uma tendência com um profundo impacto ao nível dos recebimentos e das receitas, sobretudo num cenário em que os custos fixos permanecem”, salienta a ATP, numa nota em que divulga os resultados de um inquérito feito ao sector, para tentar obter uma radiografia dos problemas.
Nessa ronda pela indústria, 59% dos inquiridos disseram que vão ter, já no mês de Abril, uma redução superior a 50% no volume de negócios, enquanto 26% das empresas sondadas prevêem uma redução entre 30% a 50% – ou seja, três quartos de uma indústria que emprega 140 mil trabalhadores e que exportou 7700 milhões de euros em 2019 esperam “uma hecatombe”, frisa Mário Jorge Machado ao PÚBLICO.
“O que aconteceu em Março já foi uma situação muito violenta. Estiveram a trabalhar, no fim do mês vão ter de pagar os salários, os impostos, os gastos; enquanto nos clientes uns não quiseram receber a mercadoria que foi produzida, outros devolveram a mercadoria e outros receberam-na, mas não pagaram, porque estão eles mesmos com dificuldades”, sintetiza o presidente da ATP.
Por isso, “há muitas situações difíceis de tesouraria”. “É importante haver crédito, mas é preciso garantir que as linhas de crédito criadas serão de facto utilizadas sem o aproveitamento por parte dos bancos, com especial atenção às taxas e comissões praticadas. O financiamento previsto terá de facto de chegar às empresas que realmente precisam”, acrescenta.
O sector têxtil foi o primeiro a avançar com layoffs, mas o modelo que o Governo prometeu melhorar, dadas as críticas dos empresários, tem de ser alterado, diz este representante. “Há medo dos trabalhadores, que preferem estar em casa, de férias ou layoff e esta é uma dimensão social que não está a ser tida em conta. É por isso urgente a regulamentação do processo de aplicação do layoff simplificado. Este mecanismo quer-se imediatamente disponível e operacional. A burocracia poderá deitar tudo a perder.”
O Governo está reunido nesta quinta-feira e prometeu a aprovação de medidas adicionais, enquanto se aguarda pela publicação da regulamentação do layoff simplificado. O presidente da ATP insiste nesta tecla, porque a situação ainda pode piorar. “Neste momento, temos um desastre de proporções bíblicas. Podemos acabar no desastre total”, argumenta.
As indústrias têxtil e de vestuário (ITV) são dominadas pelas micro, pequenas e médias empresas, que constituem 98% desse tecido empresarial. Quatro em cada cinco euros do volume de negócios são gerados nas PME e nas microempresas. No seu todo, a ITV vale 10% da exportação anual de bens do país, com 80% do emprego e do volume de negócio concentrado em dois distritos (Braga e Porto). As PME são as que têm mais pessoas ao serviço. E estão fortemente dependentes de clientes externos, como Espanha e Itália. Para desânimo da indústria portuguesa, são os dois países em pior situação actualmente.
As lojas das muitas marcas da Inditex (dona do grupo Zara) estão fechadas. “São um terço de qualquer centro comercial”, anota Machado. “Naturalmente, começaram a pedir aos produtores nacionais que começassem a suspender as entregas”, conta.
“Hoje, o que vemos é que vem aí uma onda em direcção a nós. A água recuou, mas agora vem aí o tsunami, uma gigantesca onda. E estamos com muito pouco tempo para construir algumas barricadas que ajude a aguentar esta onda gigantesca. Se não dos derem rapidamente ferramentas para construir essas barricadas, não tenham dúvidas: iremos todos na enxurrada.”
O ano de 2020 até começou bem, com o mês de Janeiro a ser o melhor arranque de ano novo em duas décadas. Agora, Machado admite que a recessão que é certa e pode arrastar-se até Novembro, se não houver rapidez na intervenção.