“O MNE não é uma agência de viagens”: portugueses “presos” nas Honduras e “desiludidos” com Governo
Sem respostas efectivas por parte da linha de emergência para cidadãos portugueses, Bernardo Galvão gravou um vídeo que vai funcionando como uma mensagem na garrafa. Do Ministério dos Negócios Estrangeiros recebeu um e-mail que citava o ministro Augusto Santos Silva.
“Confuso e francamente desiludido”. É este o estado de espírito de Bernardo Galvão, que há dias gravou um vídeo no seu apartamento na ilha de Utila, nas Honduras, para dar conta do seu isolamento. De Portugal, lamenta, “não existe qualquer tipo de apoio”. “Não tenho alternativa senão partilhar a minha história”, diz na mensagem que nos últimos dias tem funcionado como uma mensagem na garrafa — à espera que alguém a leia.
Como ainda acontece com “dois a três mil” portugueses pelo mundo – números citados pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Bernardo e a namorada Margarida Cunha estão “presos” no seu destino de férias, no caso, nas Honduras, mais precisamente numa ilha de 45 quilómetros quadrados e cerca de quatro mil habitantes. “As fronteiras estão todas fechadas e as pessoas estão confinadas às suas casas” desde que o presidente Juan Orlando Hernández declarou o estado de emergência após a detecção dos dois primeiros casos de Covid-19 no país da América Central. “Já passou uma semana e meia”, recorda Bernardo. Foi uma sexta-feira, 13.
O casal chegou a Utila, uma referência no mundo do mergulho, no dia 21 de Fevereiro, precisamente tendo em vista um curso, que teria a duração mais ou menos de um mês e que foram obrigados a interromper. O regresso a Portugal, bilhete original na TAP, estava previsto acontecer no dia 25 de Março.
“Não há muita coisa por aqui”, descreve Bernardo Galvão — alugou um apartamento, que custa ao casal 700 dólares (cerca de 650 euros) por mês — com “três horas por dia” para fazer compras por entre as grades do supermercado e da farmácia perante a vigilância de meia dúzia de militares que patrulham as poucas artérias da ilha, que recebe mantimentos uma vez por semana. “Isto é muito complicado em termos de infra-estruturas. Há um multibanco e nem um hospital em caso de emergência”.
“Que se saiba”, não há casos do novo coronavírus em Utila. Por isso, o que mais preocupa este casal é a escassez de “informação de confiança” por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português. “Tem sido complicado ter alguma informação sobre o que se vai passar e quando podemos sair do país”, lamenta Bernardo em conversa telefónica com a Fugas, referindo-se nomeadamente ao silêncio das linhas de emergência criadas pelo MNE “com o objectivo de prestar informação aos portugueses que se encontrem transitoriamente em viagem no estrangeiro relativa ao regresso a Portugal”.
“Responderam uma semana depois e quando já seria mesmo impossível sair do país”, comenta Bernardo, que “só dois dias depois de chamadas consecutivas” conseguiu falar com alguém da linha de emergência Covid-19 que o reencaminhou para uma agência de viagens. A Barcelo teve uma resposta que Bernardo considera “compreensível” dadas as circunstâncias: “Se não há aviões a sair do país, o que é que podemos fazer para ajudar?”.
Para além disso, foi informado por e-mail que o seu nome já teria sido incluído numa listagem enviada ao MNE no sentido de sinalizar todos os cidadãos retidos na área de jurisdição da Embaixada de Portugal no México (Portugal não tem representação diplomática nas Honduras, apenas um cônsul honorário, o holandês Hans Niehorster) e “caso venha a ser aventada possibilidade de organizar um voo de repatriamento, no âmbito da União Europeia ou outro” ("sublinhamos que de momento não há indicações nesse sentido”, constava do mesmo email, que, “em linha com as declarações recentes do Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros [numa entrevista à Rádio Renascença], o MNE não é uma agência de viagens, mas conta com a colaboração de um operador e da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo para o efeito").
“O que eu precisava por parte do MNE não era nada disso, era algum tipo de apoio, informação, alternativas, sair para alguma fronteira terrestre, algo. Ou mesmo esta informação: ‘não há nada a fazer, tem que esperar xis tempo’.” Ao invés, Bernardo tem estado desde muito cedo em contacto com a embaixada de Espanha, que para o efeito criou um grupo de WhatsApp para manter os seus viajantes a par das novidades. “Os americanos e canadianos têm feito voos de repatriamento quase todos os dias. Mas a União Europeia não tem mexido um dedo para ajudar as pessoas”, acusa. “Principalmente quando vemos um ministro dizer que a prioridade é fazer retornar os cidadãos portugueses que ainda estão no estrangeiro”.