Vai ficar tudo bem
Temos de estar bem conscientes de que os piores tempos estão a começar. Uma semana não é nada.
A esmagadora maioria dos portugueses parte hoje, pelo menos, para a sua segunda semana de quarentena voluntária. É preciso sublinhar a “esmagadora maioria”, porque é essa a dimensão da soma do gesto individual de cada um, que se amplia para ser num motivo de orgulho nacional.
Não há razão para sermos modestos. O silêncio das ruas fala por todos nós. Diz-nos como um país agiu, sem que fosse necessário estado de emergência, e se soube confinar, respeitando o apelo das autoridades e a evidência, até agora, irrefutável, que o afastamento físico é a melhor arma que dispomos para evitar que o vírus se multiplique de pessoa para pessoa.
Não são uns tantos transeuntes na marginal ao sol, um ou outro estabelecimento que não respeita as regras de distanciamento, que tiram dimensão ao que foi conseguido até agora. Não só por pessoas singulares, mas também por empresas, por estabelecimentos, por autarquias, por grupos de cidadãos que souberam improvisar e criar defesas necessárias para poder prosseguir a vida. Na linha da frente vão continuar a estar os profissionais da saúde, mas sem esta retaguarda o seu esforço seria certamente muito mais complicado e ainda estaríamos longe de ter algumas razões para, mesmo com cautela, sorrir um pouco.
Mas é preciso também estar bem consciente de que os piores tempos estão a começar. Uma semana não é nada. O isolamento vai começar a pesar cada vez mais a cada dia que passa, os números frios vão continuar a revelar a dimensão do desastre sanitário, e o conhecimento de casos que nos são próximos vão fazer aumentar a angústia e a sensação de impotência.
Ao mesmo tempo, implacável, o calendário vai continuar a acrescentar dias, aos dias de paralisação económica que o país, genericamente, está a sofrer. Quanto mais se prolongar a quarentena, mais depauperados vamos estar para levantar a cabeça depois da ameaça da epidemia se atenuar. Anunciam-se tempos muitos difíceis, particularmente para os sectores mais desprotegidos da sociedade, mas isso não nos pode fazer baixar a guarda.
Temos de acreditar que vai ficar tudo bem. Mas a realidade, é que antes de ficar tudo bem, há muita gente que vai passar mal. A nossa capacidade como comunidade vai continuar a ser testada duramente, mesmo depois de passar o pior da crise do coronavírus. Aquilo que conseguimos até agora tem de se repetir e repetir, temos de evocar o que já conseguimos para continuar a fazer da esperança uma arma que nos faz dizer “vai ficar tudo bem”, não como um lamento, mas como um desafio.