A quarentena em Portugal – comparação com Itália
Ganhámos tempo para as entidades de saúde assistirem os doentes. Veremos que valeu a pena. No entanto, temos de ter alguma paciência e manter o isolamento.
Será que a quarentena voluntária ou obrigatória vai ter efeitos positivos? A leitura dos gráficos apresentados publicamente pode ser enganadora.
1. O aumento dos casos de covid-19 em Portugal é, ou não, exponencial?
Nos últimos dias tenho verificado que há uma certa preocupação devido ao aumento de casos diários de infetados por covid-19. Por exemplo, no dia 18 de março, perante 194 novos casos, ouvi num canal de televisão que “agora sim, entrámos num crescimento exponencial”. Ora, a verdade é que estamos numa curva exponencial desde 3 de março com cerca de 39% de novos casos todos os dias (isto é, mais 39% de casos do que no dia anterior, embora, é claro, com pequenas oscilações de dia para dia). Acréscimos assim descrevem uma subida exponencial. Com estes números, estamos a duplicar os casos a cada dois dias. Se continuássemos assim, no dia 3 de abril, chegaríamos aos 100.000. É este o poder de uma evolução exponencial.
2. E em Itália, o crescimento é exponencial?
Entre a terça-feira de Carnaval (25 de fevereiro) e 11 de março, o crescimento diário do número de infetados em Itália foi de apenas 27%, portanto abaixo dos 39% em Portugal. [A situação em Itália é atualmente muito pior do que a portuguesa porque, no dia de Carnaval, já havia 323 casos em Itália, enquanto que o início subida exponencial em Portugal foi duas semanas depois do Carnaval e tínhamos apenas quatro casos]. Entre 11 e 18 de março, o acréscimo em Itália passou a ser apenas de 17% por dia. O que aconteceu neste período para que a taxa tenha baixado? Uns dias antes, a 7 de março, a Itália “fecha” a Lombardia e põe 16 milhões de pessoas de quarentena. Poucos dias depois, a 11 de março, Itália inteira fecha-se. Esta diminuição de menos 10% de casos por dia significou que, em vez dos 53.578 realmente contabilizados a 21 de março, teríamos 134.000 infetados em Itália. Portanto, a quarentena em Itália deu (e está a dar) resultados.
3. Itália: se a quarentena resulta, porquê tantos mortos?
Em média, cinco dias após o contágio, as pessoas apresentam os primeiros sintomas. A grande maioria das pessoas consegue recuperar em casa, mas algumas são hospitalizadas. O internamento costuma ocorrer dez dias após o contágio. Assim, os efeitos da quarentena na Lombardia serão mais acentuados a partir de 21 de março ou ainda mais tarde, dado que a quarentena começou dia 11. Entretanto, os mortos vão continuar a escurecer estes números para além dos dez dias, pois a mortalidade depende de vários fatores (por exemplo, outras doenças ou co-morbilidades da pessoa doente, etc.) e estas pessoas já estão em situação crítica há algum tempo. Em abril, a situação deverá melhorar graças às quarentenas da Lombardia e depois de toda a Itália. Infelizmente, talvez estas medidas tenham chegado tarde, pois, no dia 7 de março, já tinham morrido 233 italianos e, no dia 11 de março, 827.
4. Portugal: o presente e o futuro próximo – o que esperar?
Algumas universidades, incluindo aquela a que pertenço (U. Lisboa), pararam as aulas presenciais no dia 9 de março. No dia 13, a maioria das crianças já não foi à escola e na segunda-feira, dia 16, já não houve aulas. Nesse fim de semana, muitas empresas adotaram o sistema do teletrabalho e outras fecharam. A primeira morte em Portugal ocorreu no dia 17 de março e o estado de emergência foi declarado no dia seguinte, quando Portugal tinha “apenas” duas mortes e 642 casos. Assim, a nossa realidade é bem distinta da italiana.
Com o progressivo cancelamento das aulas presenciais, encerramento das empresas (ou trabalhadores em teletrabalho) e depois o estado de emergência, é difícil ver quando devemos começar a contar os cinco a dez dias para verificarmos se estes atos valeram a pena. No entanto, o certo é que desde o dia 18 de março temos vindo a observar em Portugal uma taxa de acréscimo diária mais baixa do que antes: apenas 26%. O número de casos continua a crescer, mas a taxa diária a que isso acontece irá descer enquanto a quarentena se mantiver. Por outras palavras, a progressão da doença vai desacelerar.
Ganhámos tempo para as entidades de saúde assistirem os doentes. Veremos que valeu a pena. No entanto, temos de ter alguma paciência e manter o isolamento.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico