A emergência é social e económica

Não queremos repressão, queremos inclusão e solidariedade. Desde já manifestamos toda a nossa solidariedade com quem reivindicar condições de trabalho e de vida. Os acontecimentos recentes demonstram que, para fazer face à grave situação em que vivemos, precisamos da consciência e da organização de quem sofre na pele a ameaça da covid-19.

Manifestamos a nossa mais profunda discordância e preocupação face à decisão de decretar o estado de emergência e à falta de oposição institucional que tal decisão encontrou, quer pelo apoio declarado, quer pela abstenção. No mesmo dia em que, por proposta do Presidente da República, é usado um instrumento de suspensão de direitos fundamentais conquistados com a luta e mesmo com a vida de quem trabalha, o Parlamento rejeitou medidas que, neste momento, são as que verdadeiramente dariam resposta à emergência social e económica que o país atravessa.

Consideramos que esta decisão estabelece erroneamente que a resposta à ameaça à saúde pública gerada pelo coronavirus (covid-19) requer sobretudo medidas repressivas, que põem em causa princípios fundamentais da democracia. Suspender direitos fundamentais como o direito à greve e o direito de resistência que nos últimos dias, contra os variados abusos, foram o garante da saúde e segurança de centenas de trabalhadores – as trabalhadoras da limpeza na Metro do Porto, os trabalhadores dos centros comerciais em todo o país, as pressões para a laboração em sectores não fundamentais para a economia mesmo no caso em que foi decretado o estado de calamidade como no município de Ovar – transfere para uma parte da população o grosso dos custos e dos riscos, ao mesmo tempo que lhes coarcta qualquer possibilidade de defesa dos seus direitos mais básicos, incluindo de sobrevivência.

Tem sido a resposta voluntária, comunitária e não-coagida por parte de quem assegura funções fundamentais para a vida comum a maior arma na contenção da propagação do vírus. Trabalhadores do público e do privado acorreram prontamente ao espírito de missão em todos os serviços essenciais, organizaram-se colectivamente para prestar ajuda a quem não pode sair de casa, colocaram-se em quarentena voluntária. Organizações sindicais dos serviços públicos suspenderam o aviso prévio de greve sem qualquer coacção. Contudo, muitos profissionais de saúde trabalham sem qualquer protecção, nos lares há violações diárias dos direitos de trabalhadores e de utentes – a população que está em maior risco –, nos supermercados continuamos a assistir à inexistência de kits individuais de protecção, as operadoras de comunicações não respeitam as orientações da Direcção-Geral da Saúde, sectores não fundamentais da economia continuam em funcionamento sem a tomada de quaisquer medidas.

Perante a ameaça da perda de rendimentos, as pessoas continuam a ter contas por pagar: água, luz, renda, comunicações, transportes. Sobre isto, nenhuma medida. Para quem está a trabalhar, garantindo que o país sobrevive, nenhuma medida de garantia dos seus direitos fundamentais. Todas as medidas que o estado de emergência prevê estão já reguladas no Sistema de Vigilância em Saúde Pública e na Lei de Bases da Protecção Civil, sem qualquer necessidade de suspensão de direitos fundamentais, num momento em que é necessário o seu reforço, nomeadamente quanto aos direitos económicos e sociais de todos. Exigimos a tomada imediata de medidas sociais e económicas que correspondam às suas necessidades. Não queremos repressão, queremos inclusão e solidariedade. Desde já manifestamos toda a nossa solidariedade com quem reivindicar condições de trabalho e de vida. Os acontecimentos recentes demonstram que, para fazer face à grave situação em que vivemos, precisamos da consciência e da organização de quem sofre na pele a ameaça da covid-19.

(carta aberta a subscrições através do endereço resistirnaemergencia@gmail.com)
 

Subscrições individuais

André Barata, filósofo
António Costa Santos, jornalista
Antonio Gori, activista
Bruno Peixe Dias, investigador
Carolina Moreira, técnica de intervenção social
Clarisse Canha, activista feminista
Carlos Moreira, reformado
Carmo G. Pereira, educadora sexual para adultos
Cristina Roldão, socióloga
Daniela Cartaxo Serralha, assessora
Diogo Duarte, antropólogo
Diogo Ramalho, perchista
Fannie Vrillaud, editora de vídeo
Filipa Vala, investigadora
Igor Constatino, operário fabril
Fernando Ramalho, músico
Filipa Baptista, coordenadora de projectos
Gonçalo Zagalo Pereira, funcionário público
Inês Lago, actriz
Inês Pereira, socióloga
Inês Ribeiro, médica veterinária
Joana Manuel, actriz e dirigente sindical
José Reis Santos, historiador/empresário
João Santos, historiador
José Viana, professor
Judite Fernandes, escritora
Lídia Fernandes, investigadora e activista feminista
Mamadou Ba, activista anti-racista
Maria da Paz Campos Lima, socióloga
Mariana Tengner Barros, coreógrafa/bailarina
Marta Bernardes, artista
Marta Mateus, cineasta
Marta Nascimento Lima, produtora audiovisual
Miguel Bonneville, artista
Miguel Cardoso, tradutor e poeta
Nuno Bio, consultor de gestão
Paula Gil, assessora e activista
Patrícia Pereira, socióloga
Patrícia Santos Pedrosa, arquitecta
Raquel Ramos, auxiliar de acção médica
Ricardo Andrade, musicólogo
Rita Silva, investigadora e activista
Rui Viana Pereira, activista
Sérgio Machado Letria, programador cultural/director da Fundação José Saramago
Sérgio Vitorino, tradutor
Simone Tulumello, investigador
Solange Santos, actriz
Teresa Feteira Azevedo, advogada
Teresa Pinto Mendes, professora
Tiago de Lemos Peixoto, escritor
Vânia Martins, psicóloga
Vera Silva, estudante

Subscrições colectivas

Colectivo Toupeira Vermelha
Habita – Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade
Marcha Mundial de Mulheres – Portugal
Panteras Rosa – frente de combate à LesbiGayTransfobia
Stop-Despejos

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