Carlos Bernardo: “Muitos dos meus stresses diários até já parecem levianos”
Carlos Bernardo é viajante, fundador e autor do blogue O meu escritório é lá fora e do projecto Meu escritório, onde acolhe conversas e workshops. Escreve para a Fugas a partir de Abrantes.
No dia 12 de Março, eu, a Liliana e a Alice decidimos ficar em isolamento em casa. Contacto com exterior, apenas o indispensável.
Tinha algumas mãos cheias de trabalhos agendados para as próximas semanas, palestras (em universidades, escolas e empresas), viagens (uma viagem de 20 dias, de comboio, entre Paris e Istambul), sonhos com necessidade de realidade, eventos no Meu Escritório (adiei, para já, três conversas e três workshops), enfim, mil e uma coisas a acontecerem, como uma espécie de rotina dos meus tempos. Adiei, cancelei, abrandei, coloquei na pausa. Agora que penso nisso, muitos dos meus stresses diários até já parecem levianos, tal é o intervalo de prioridades. É como colocar a minha vida num funil e apenas sair de lá não o que é importante, mas o que é essencial.
Levo o imprescindível do meu escritório e trabalho o que conseguir em casa. As próximas semanas vão ser assim. Olho para a Alice, olho para a Liliana, olho para o meus pais, penso nas minhas avós, penso em todos aqueles que me são queridos, e felizmente são muitos, e não posso agir de outra forma. Vai muito além de mim, da minha saúde, do meu trabalho, das minhas viagens e da minha habitual forma de viver (e conviver). Nunca o sentido colectivo e comunitário foi tão importante. Nunca, no tempo da minha vida, vivemos uma situação como esta. Vi muitos filmes de empolgamento alarmista, mas nunca pensei estar dentro de um. E ao estar, vou tentar fazer as coisas bem, com aquela esperança optimista de que vai acabar tudo bem. Como nos filmes.
Bem, agora vou ver filmes, ler livros, escrever, brincar com a Alice e sonhar com a Liliana. Tentar manter-me optimista e tentar viver o melhor possível em tempos difíceis onde cada dia parece uma eternidade. Talvez seja por dar mais valor ao tempo ou a tudo o que o vivia muitas e tantas vezes sem a devida valorização. Deixo o corpo e mente fluir na adaptação à adversidade.
Continuo com muitos sonhos, muitos planos e muitas viagens na minha cabeça. Colocá-los na agenda fica para depois. A prioridade agora é outra.
Uma palavra de conforto e admiração para todos aqueles que não podem “refugiar-se” em casa com os seus e que estão a cuidar de todos nós. Neste “filme” são eles os heróis.
Este texto foi enviado no dia 16 de Março de 2020