Sentimos que temos de estar disponíveis a toda a hora
Testemunho de Fátima Inácio Gomes, professora do Agrupamento de Escolas de Barcelos. “O meu princípio tem sido não sobrecarregar os alunos. Temo que muitos deles tenham, presentemente, mais trabalho do que em circunstâncias normais.”
Tantas vezes se deseja trabalhar em casa, mas fazê-lo quando estamos no epicentro de um evento tão extraordinário (e assustador) quanto uma pandemia revela ser bem menos agradável do que se anteciparia. Contudo, é muito mais tranquilizador do que ter de enfrentar transportes públicos e aglomerados de pessoas cujos hábitos de vida/higiene desconhecemos, como ainda tantos trabalhadores têm lamentavelmente de fazer (pelo menos, no momento em que escrevo).
Como tem sido a minha vida de professora à distância? Bem, em circunstâncias normais, estaria a dar as aulas e a concentrar-me na correção de testes, na preparação da reunião com os diretores de turma (sou coordenadora dos DT de secundário) e reuniões de avaliação. Como neste período antecipei (premonitoriamente?) todos os momentos de avaliação, coincidiu que, na passada quinta-feira, tivesse dado os últimos testes, além de já ter realizado a avaliação da oralidade em todas as turmas. Pretendia eu ter um fim de período mais tranquilo, poder ter tempo para a correção dos testes e restantes afazeres, numa fase em que o cansaço se acumula. Resulta agora que, desde essa quinta-feira, nem os testes consegui corrigir. Durante todo o fim de semana recebi mails da direção com procedimentos a adotar e fui contactando alunos e pais, assim como preparei os procedimentos para a semana. As aulas que daria verbalmente e já não careciam de preparação, tiveram de ser revistas para as transformar em algo que pudesse ser apresentado via digital. E, sendo diretora de turma do 12.º ano, continuei hoje [terça-feira] numa “luta” de esclarecimentos e informações, pois a tutela enviou os procedimentos a adotar para a inscrição para exames.
Pretendia, como recomendam, adotar uma rotina em casa. Até planeava fazer exercício, mas para já não tem sido possível. O “tele-trabalho” dá espaço a isso: sentimos que temos de estar disponíveis a toda a hora, os pais e alunos talvez também esperam que estejamos disponíveis a toda a hora. Recebo mails desde as 8h00 às 23h00. E tenho respondido. Talvez devesse estabelecer a tal rotina, o tal horário, mas quando lidamos com pessoas de quem somos próximos (e eu sou próxima — muitos professores o são — dos meus alunos) é difícil não responder logo. Percebemos a sua ansiedade.
Espero poder vir a diminuir este ritmo de trabalho mal se comecem a interiorizar mecanismos e todos comecem a ficar esclarecidos em termos de funcionamento da escola neste novo contexto. Preciso de corrigir os tais testes, concluir a avaliação, preparar os conselhos de turma online. Mas, entretanto, terei de ir produzindo mais material, corrigir o que me enviam. O meu princípio tem sido não sobrecarregar os alunos. Temo que muitos deles tenham, presentemente, mais trabalho do que em circunstâncias normais. O que não é sensato, até porque muitos deles estão ansiosos, seja pelo temor à doença, seja pela indeterminação do futuro. Têm chovido propostas de ensino à distância, plataformas e-learning, ferramentas virtuais interativas, vindas da tutela, editoras, outros professores... para já tenho adotado métodos mais convencionais e criadores da menor entropia possível. Se o terceiro período implicar ser todo não presencial, recorrerei a outras ferramentas, se forem facilitadoras do processo.
Assim, se fizesse um diário da quarentena, este seria muito idêntico ao longo das horas: levantar; tratar da higiene; tomar o pequeno almoço já ao computador, respondendo a mails; continuar ao computador a distribuir tarefas, a apoiar alunos com dúvidas de todo o tipo e a produzir materiais até à hora de ir fazer o almoço; depois, voltar ao computador e repetir tudo de novo, até à hora de jantar; vou intercalando estes afazeres com os momentos em que ligo à mãe para saber se anda a portar-se bem (não saindo de casa, com os seus 74 anos e várias patologias), em que interajo com alguns amigos para saber como estão e me atualizo com as notícias.
Desde sexta que não saio de casa, com as minhas filhas, duas estudantes universitárias que não me sobrecarregam com as solicitações que não faltariam se fossem pequenas. A harmonia do lar está de boa saúde, que é aquilo que desejo a todos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico