“Nunca tinha visto nada assim.” O primeiro dia de separação entre Portugal e Espanha
Países encerraram fronteiras às 23h de segunda-feira. Em Valença, autoridades portuguesas controlam identificação e destino dos automobilistas.
“Bom dia. Para onde vai e o que é que leva?” A questão foi repetida até à exaustão pelas autoridades portuguesas em Valença, no primeiro dia após o encerramento das fronteiras entre Portugal e Espanha. A passagem foi exclusivamente reservada a camiões de mercadorias e a trabalhadores transfronteiriços, numa operação que contou com a participação da Guarda Nacional Republicana (GNR), Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e entidades de saúde.
No lado espanhol, as autoridades portuguesas controlavam as entradas. Do lado oposto, as vistorias estavam sob a alçada da Guardia Civil. António Lima, inspector-chefe do SEF, era um dos responsáveis pelo controlo dos camionistas e automobilistas que procuravam entrar em Portugal. “A cada viatura que passa é requisitada a identificação [do condutor e da carga]. Esta é uma zona industrial, o que faz com que existam muitos camiões com mercadorias e trabalhadores transfronteiriços”, explicou o responsável, justificando a elevada afluência de veículos.
Até às 12h de terça-feira, primeiro dia de encerramento, as autoridades portuguesas tinham fiscalizado mais de mil veículos. Apesar de o trabalho ser semelhante, existiam, contudo, algumas diferenças nos dois postos fronteiriços. Munidos de luvas e máscaras, as autoridades portuguesas faziam questão de manter a distância de precaução para os veículos. No lado espanhol, a Guardia Civil não tinha máscaras de protecção nem apostava tanto nos cuidados de segurança, mas as perguntas aos automobilistas foram semelhantes. “Vou deixar-vos passar porque é o primeiro dia. Mas todas as passagens de pessoas, a partir de agora, têm de ser acompanhadas de uma declaração da vossa entidade empregadora a confirmar que têm de efectuar algum trabalho em Espanha”, avisou o agente espanhol, antes de fazer sinal para que o carro do PÚBLICO avançasse e entrasse no país.
Não eram muitos os veículos obrigados a regressar a Espanha pelas autoridades: a maior parte dos incumprimentos dizia respeito à ausência de identificação. Algumas pessoas ainda desconheciam as novas limitações fronteiriças, tentando viajar em lazer entre os países. “A percentagem [de carros barrados] acaba por não ser muito alta. Os trabalhadores transfronteiriços já trazem a declaração própria”, explicou António Lima.
Fila chegou a ter quilómetros
A Guardia Civil foi obrigada a agilizar as inspecções a meio da manhã: por volta das 10h, a fila de camiões a aguardar vistoria para entrar em Espanha atingia vários quilómetros. Com a temperatura a aproximar-se dos 20ºC, o calor sentido dentro dos carros tornava a espera penosa. Esta aceleração na fiscalização colocou em causa o protocolo de segurança na parte espanhola? “Essa é uma pergunta a que não vou poder responder. Estamos a tentar cumprir ao máximo o que nos foi estipulado”, respondeu o inspector-chefe do SEF, António Lima. As autoridades espanholas no local não quiseram responder às perguntas do PÚBLICO.
No meio de um mar de camiões, a cor verde do táxi de Sérgio destacava-se. Transportava uma família de portugueses residentes em Espanha. Tinham estado no Aeroporto Francisco Sá Carneiro na noite de segunda-feira, mas o voo que tinham agendado foi cancelado. No banco traseiro do táxi, com a companheira e duas crianças, António Feitas, técnico de electrónica, mostrava-se inconformado.
“Acho que isto [encerramento de fronteiras] é uma palhaçada. Nunca na minha vida pensei ver algo semelhante. Creio que só vai gerar pânico que, neste momento, mata mais do que o vírus. As pessoas estão a focar-se no pico [de casos]. A gripe também mata muita gente, mas não vejo ninguém a tentar erradicá-la. Acho que há certo tipo de interesses por trás disto. Sei que isto soa a teoria da conspiração”, exasperava António.
“Devia parar tudo”
No veículo seguinte, Alfredo Penedo esperava com tranquilidade. O motorista espanhol tinha acabado de descarregar madeira em Viana do Castelo. “De manhã, quando passei a fronteira para o lado português, esperei cerca de uma hora. Agora deve ser a mesma coisa”, explicava, com tranquilidade. A espera nas primeiras horas da madrugada tinha sido alargada pelos civis que ainda não tinham conhecimento do encerramento de fronteiras.
Alfredo julgava que não devia estar ali: o motorista acredita o estado de emergência vai ser decretado em Portugal e que, numa questão de dias, todos os transportes se devem cingir aos bens essenciais. “Devia parar tudo. O que eu transporto não é um bem de primeira necessidade. Acho que só alimentos e outros bens do género deveriam circular. Dentro de quinze dias vão haver mais infecções e vamos parar tudo. Mas digo-lhe que em 22 anos de profissão nunca tinha visto algo assim”.
De Norte a Sul, a reposição dos controlos policiais decorre entre Valença - Tuy, Vila Verde da Raia – Verin, Quintanilha - San Vítero, Vilar Formoso – Fuentes de Oñoro, Marvão - Valência de Alcântara, Caia - Badajoz, Vila Verde de Ficalho – Rosal de la Frontera e Vila Real de Santo António - Ayamonte. O patrulhamento é feito por equipas mistas ou individualmente pelas forças de segurança de casa país com aquelas obrigações.
Espanha tem mais de 11 mil casos de infecção confirmados. O número de mortes aproxima-se dos 500. Em Portugal, há 448 casos confirmados. A primeira vítima mortal foi anunciada na segunda-feira. A decisão sobre um eventual estado de emergência poderá ser votada esta quarta-feira no Parlamento. Nas fronteiras, o encerramento estará em vigor até 15 de Abril, embora no dia 9 do próximo mês seja feita uma avaliação sobre a necessidade de prorrogar.