Os necessários equilíbrios
Evitar a transformação de uma crise de saúde pública numa catástrofe económica, social e política exige firmeza e equilíbrio. Dispensa todos os extremismos.
A pandemia do coronavírus é real, não uma conspiração inventada por alguém. É uma emergência de saúde pública que não podemos nem devemos menorizar e que requer toda a nossa atenção e esforço. O mau exemplo que nos vem da América é claro: a desvalorização do que está em causa abre caminho ao desastre. Porém, o combate sem tréguas à pandemia tem de ser compatibilizado com a salvaguarda das condições da nossa vida coletiva. É por isso necessário continuar a assegurar equilíbrios vários entre a defesa sem hesitações da saúde pública e as consequências das nossas decisões nos planos económico, social e político.
1. Em primeiro lugar, devemos valorizar os riscos de devastação da economia, tão reais como os riscos da pandemia. E isso não é economicismo nem menosprezo pela saúde pública. Salvar a economia é salvar o emprego e o rendimento de milhares de pessoas que não têm alternativa ao trabalho para comer, pagar a casa, comprar medicamentos ou cuidar dos que deles dependem. É pois necessário ponderar, caso a caso, os impactos das decisões que tomamos tanto sobre a saúde como sobre a economia, bem como continuar a garantir os apoios económicos e sociais de emergência que forem necessários.
2. Em segundo lugar, convém manter e reforçar o sentido de pertença comum, não ampliando, na crise, as desigualdades socioeconómicas. Não podemos trocar a epidemia do coronavírus por outras epidemias e, por isso, todos reclamarão cidades limpas e sem lixo, do qual alguém tratará. Todos reclamarão, também, o normal funcionamento das infraestruturas de água, gás, eletricidade e comunicações, das quais alguém tratará. O abastecimento alimentar é imprescindível, dir-se-á, e por aí adiante. Havendo necessidade de fazer funcionar o país, até para conter a epidemia, teremos que repartir com equidade os riscos que tal comporta. De outro modo reintroduziremos velhas e perigosas divisões sociais exatamente no momento em que mais precisávamos de unidade e solidariedade.
3. Em terceiro lugar, temos que equilibrar segurança com liberdade. Custou muito esforço, muita dor e muito tempo estabilizar os regimes democráticos. A liberdade é difícil de conquistar e de manter, tendendo a ser desvalorizada quando está garantida. Em contrapartida, é fácil de perder. Pode vir a ser necessário suspender algumas liberdades para conter a pandemia. Mas não podemos, com ligeireza, reclamar sem hesitações e contrapesos o estado de emergência. Ele poderá ser necessário. Mas devemos ponderar a suspensão de cada liberdade ou direito, garantir a transitoriedade dessa suspensão e o seu permanente escrutínio, bem como fazer a pedagogia da sua indesejabilidade mesmo quando necessária.
4. Por fim, parece não haver alternativa à redução da mobilidade internacional. Porém, é desejável que todas as medidas nesse sentido sejam ponderadas, proporcionais e transitórias. Cada vez que se fechar uma fronteira, por não haver outra alternativa, devemos explicar que o fazemos contrariados, que prezamos a liberdade de circulação e que levantaremos os obstáculos que agora colocamos a essa liberdade tão depressa quanto for possível. De contrário, o exacerbamento da xenofobia pode transformar-se numa epidemia tão ou mais grave e mortífera do que a do coronavírus.
5. Xenofobia, desvalorização da liberdade, perda do sentido de coletividade e devastação económica são ingredientes que, somados, poderão abrir de vez o caminho à generalização de soluções autoritárias por essa Europa fora. Ou, mesmo, a ameaças sérias à garantia da paz que constituiu a primeira razão de ser da União Europeia. Evitar a transformação de uma crise de saúde pública numa catástrofe económica, social e política exige firmeza e equilíbrio. Dispensa todos os extremismos.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico