União Europeia inicia o seu distanciamento social do resto do mundo

Presidente da Comissão concorda com o fecho das fronteiras externas da UE, mas exige que países mantenham o mercado único em funcionamento. Eurogrupo hesita tomar medidas drásticas para responder ao surto do coronavírus.

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STEPHANIE LECOCQ/EPA

Três meses depois da China, onde apareceu o novo coronavírus, a União Europeia está prestes a fechar-se sobre si própria, numa medida drástica para impedir a propagação da epidemia de covid-19 que, até ao momento, já infectou cercada 52 mil pessoas e causou mais de 2300 mortes no continente. Os 27 Estados membros deverão adoptar já esta terça-feira uma interdição temporária das entradas no seu território por um período inicial de 30 dias (a ser revisto se necessário), proposta pela presidente da Comissão Europeia para “reduzir as interacções sociais e a velocidade da propagação do vírus”.

“Propus aos nossos chefes de Estado e de governo que introduzam restrições temporárias nas viagens não essenciais para a União Europeia por um período de 30 dias”, informou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a meio da tarde desta segunda-feira, numa mensagem publicada no Twitter após uma reunião por videoconferência com os líderes dos G7.

Perante a descoordenação dos esforços e a multiplicação das acções unilaterais de resposta à crise do coronavírus, Von der Leyen decidiu assumir o comando da situação, fintando as limitações do seu mandato e alargando a intervenção do executivo comunitário para áreas de competência exclusiva dos governos nacionais. Mas fê-lo no estrito respeito dos tratados, através de uma proposta a aprovar pelos Estados membros.

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A medida já estava claramente a ser cogitada: sob a pressão das opiniões públicas, cada vez mais assustadas com a rápida expansão do vírus, vários países europeus já tinham determinado o encerramento das respectivas fronteiras, numa sucessão de decisões que começaram a produzir efeito prático logo ao início do dia. “Temos quilómetros e quilómetros de congestão em certas fronteiras onde os camiões não têm passado, ou por causa dos controlos estabelecidos ou pelo efeito dominó dessas medidas”, informou o porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer.

A proposta avançada pela presidente da Comissão — para ser aplicada pelos 27 membros da UE e também os quatro países que integram o espaço Schengen — dá respaldo político aos líderes que vinham exigindo o isolamento da Europa ao exterior. Mas não se trata exactamente de uma concessão, na medida em que Ursula von der Leyen reclamou como contrapartida ao fecho das fronteiras externas, que os Estados membros continuassem a respeitar as regras do mercado único e não pusessem entraves à circulação de pessoas e bens nas fronteiras internas. “É essencial que a mobilidade se mantenha e se assegure a continuidade económica”, sublinhou.

Em certa medida, a “manobra” da presidente da Comissão é um teste à sua credibilidade (e autoridade política) junto dos líderes que a escolheram para o cargo — e que detém competências exclusivas em matéria de gestão de fronteiras. É impossível prever como responderão aos apelos de Ursula von der Leyen para uma “abordagem coordenada e coerente” da gestão de fronteiras, mas é difícil imaginar que dêem um passo atrás e revertam as decisões que já tomaram até agora.

Numa recomendação enviada aos Estados membros, a Comissão Europeia defendeu que as medidas de fronteira em resposta à crise do coronavírus devem obedecer a três princípios: proteger a saúde dos cidadãos, assegurar o tratamento correcto das pessoas que têm de viajar e assegurar a disponibilidade de bens e serviços essenciais — sejam alimentos para abastecer as populações a cumprir quarentenas voluntárias; sejam matérias-primas para a produção de fármacos ou o fabrico de equipamentos de protecção individual, como máscaras; sejam equipamentos hospitalares ou outros.

Para que a cadeia de abastecimento de bens essenciais possa fluir sem constrangimentos, a Comissão propõe que sejam instaladas “vias verdes” de acesso privilegiado e passagem facilitada ao transporte de produtos perecíveis e material de emergência. Mas além das mercadorias, também a livre circulação de pessoas tem de ser assegurada — tal como o direito a “cuidados médicos apropriados, ou nos pontos de chegada, ou nos pontos de partida”, das pessoas em trânsito.

“É possível levar a cabo controlos sanitários a todas as pessoas que entram num território nacional sem a introdução formal de controlos fronteiriços internos”, aponta a Comissão Europeia. “As pessoas que estão doentes não podem ter a sua entrada negada, mas sim acesso a cuidados médicos”, diz a recomendação enviada a todas as capitais. No que diz respeito às fronteiras externas, a comunicação reconhece que a entrada de pessoas doentes ou suspeitas de infecção pode ser recusada.

A proposta de restrição temporária das entradas na UE prevê uma série de isenções, nomeadamente para todos os cidadãos europeus que queiram regressar a casa, bem como os seus familiares, os nacionais de países terceiros que sejam residentes de longo prazo da UE ou os diplomatas. E o “pessoal essencial, tal como médicos, enfermeiros, cuidadores, investigadores e especialistas que nos ajudem a resolver a crise do coronavírus deve continuar a poder entrar na União Europeia”, defendeu Von der Leyen.

A presidente da Comissão, que falou ao telefone com os executivos da empresa alemã de desenvolvimento de vacinas CureVac, anunciou um apoio de 80 mil milhões de euros para “ampliar a investigação em curso para a produção de uma vacina contra o coronavírus”.

Eurogrupo reserva medidas novas para o futuro

De resto, Von der Leyen repetiu que Bruxelas vai garantir a máxima flexibilidade na aplicação das regras de ajudas de Estado, o que permitirá um apoio “sem precedentes” dos governos às empresas nacionais mais afectadas pela crise do coronavírus. “Queremos garantir que têm liquidez nos próximos meses”, disse.

Esta segunda-feira, os ministros das Finanças da zona euro elogiaram o programa de apoios financeiros lançado pela Comissão e as iniciativas assumidas pelo Banco Europeu de Investimentos para mitigar o impacto do coronavírus na economia — bem como as medidas de política monetária anunciadas pelo Banco Central Europeu. Mas não foram muito além disso: no final da reunião do Eurogrupo realizada por videoconferência e conduzida por Mário Centeno a partir de Lisboa, foram mais as garantias de que serão utilizados “todos os instrumentos” se for necessário do que as medidas concretas efectivamente adoptadas para “limitar as consequências económicas e sociais do surto de coronavírus”.

Na semana passada, o director geral para os Assuntos Económicos e Financeiros da UE, Maarten Vervey, avisou que o quadro geral está a deteriorar-se muito rapidamente e que o crescimento da UE pode cair para 0% ou até “muito abaixo”. Mas os ministros preferem esperar pelo evoluir da situação. Uma possível linha especial para a Itália ficou ainda no papel, o eventual recurso ao Mecanismo de Estabilidade Europeu não obteve consenso.

A suspensão do funcionamento do Pacto de Estabilidade e Crescimento está, de momento, fora de causa: os ministros recordaram que a flexibilidade das regras será aplicada, e que a despesa extraordinária em resposta ao surto será excluída do cálculo do défice e do saldo estrutural dos países.

Assim, o que ficou decidido foi que autoridades nacionais continuarão a fazer funcionar os estabilizadores automáticos, e a implementar medidas orçamentais para acomodar o inevitável acréscimo da despesa do sector da saúde e protecção civil ou dos pagamentos da segurança social, ou para apoiar os sectores mais impactados pela redução da actividade, como os transportes e turismo.

De acordo com Mário Centeno, o primeiro pacote de medidas orçamentais nacionais e europeias assumidas pelos países da zona euro tem um valor correspondente a cerca de 1% do Produto Interno Bruto para 2020. As acções para promover a liquidez, tais como esquemas de garantias ou deferimento de pagamentos fiscais, correspondem a 10% do PIB anual.

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