Na sala de cinema, abandonados à nossa liberté
Liberté tem a magnitude de uma súmula. Da aventura humana nos filmes de Albert Serra. E dos métodos do cinema de Albert Serra. Os espectadores, como os actores e as personagens, estão abandonados à sua liberdade. E hoje mais do que nunca abandonados na sala - onde este filme tem de set visto.
Foi muito concreta, física, material a sensação, durante a primeira sessão de Liberté em sala (Cannes 2019, com inusitada apresentação do director artístico do festival, Thierry Frémaux, a avisar-nos da “radicalidade formal” do bizarro objecto que nos entregava, tentando uma contenção de danos com um “quero ver-vos todos aqui no final”), a sensação, dizia, de que um filme está não atrás, na câmara, nem à frente, no ecrã, mas está no meio, na sala. Talvez tenha sido Frémaux a recear a reacção perante a lucidez, o desafio, a crueldade e a ternura de Liberté ao colocar um colectivo de espectadores no centro da espessa escuridão de um cruising de mais de duas horas de duração. Onde se arrasta, atira olhares e se masturba um grupo de libertinos que por esses dias do século XVIII, à beira da Revolução Francesa e em desgraça na corte de Luís XVI, procura num bosque alemão cúmplices para o seu proselitismo. Impõe o seu programa de libertinagem, força a liberdade dos corpos. Isto é: estão perdidos entre a dádiva e a arbitrariedade. E querendo raptar noviças...
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