48 horas de incubação
Não sabemos ainda — e esperemos que não existam ou não sejam graves — as consequências destas 48 horas de incubação de uma decisão que se tinha tornado incontornável. Por muito que as escolas pareçam ser a coluna vertebral que faz funcionar a nossa sociedade, a saúde de todos, a começar pela dos alunos, deveria ter estado desde sempre em primeiro lugar.
O dia de quarta-feira, 11 de Março, decorreu na expectativa do que sairia de uma reunião agendada para as 15h00 do Conselho Nacional de Saúde Pública, pois tinha sido divulgado, e não desmentido ao longo do dia, que iria ser tomada uma decisão acerca do possível encerramento das escolas básicas e secundárias, após já se ter verificado o fecho de várias no país como medida de combate à propagação do covid-19. A conferência de imprensa com as conclusões da reunião esteve marcada para as 18h30, mas acabou por acontecer muito mais tarde, depois das 21h00, quando o primeiro-ministro já fizera saber que não seriam tomadas quaisquer decisões, pelo que apenas seriam divulgadas “recomendações”.
Após seis horas de reunião, um dos conselheiros leu um comunicado breve que pouco ou nada trazia de novo, pois apenas recomendava a continuação e eventual reforço das medidas de contenção e o encerramento de escolas apenas de acordo com indicações das autoridades do sector da Saúde. Na prática, tudo como até então, não se percebendo porque demorar tanto tempo a reunião se, conforme se fez depois saber, as “recomendações” foram “consensuais” e a sua votação foi “unânime”, apenas tendo existido alguma resistência de dois dos membros do Conselho.
Seguiu-se uma conferência com a ministra da Saúde e a directora-geral da Saúde que revelou alguma falta de rumo e mesmo diversas contradições, a menor das quais não foi a de Graça Freitas afirmar que as recomendações se baseavam em “evidências científicas” e na “situação epidemiológica”, mas depois revelar a sua preocupação acerca de “com quem é que ficariam estes meninos?” se as escolas fechassem. Do mesmo modo, oscilou-se entre prevenir qualquer situação de maior dramatismo ou “pânico” e a denúncia de comportamentos de risco. Foi pedida “confiança” mas num tom bastante inseguro.
E confirmou-se que qualquer “decisão” só seria tomada após o Conselho de Ministros de quinta-feira e uma ronda de consultas com delegações dos partidos com assento parlamentar.
Chegamos a quinta-feira, com o número de infectados a passar de 59 para 78 em 24 horas, e o Conselho de Ministros teve o seu início pela manhã, sendo suspenso para ser feita a tal ronda de consultas, surgindo a informação de que a retoma de trabalhos apenas aconteceria já depois do entardecer, pelo que o período de incubação de qualquer “decisão” se começou a estender por dois dias, o que é muito tempo para assunto de tamanha gravidade e transmite a sensação de uma falta evidente de trabalho prévio por parte dos ministérios e serviços envolvidos.
Surgem anúncios de encerramento de serviços do ministério da Educação, eventos religiosos cancelados, apelos da Ordem dos Médicos para que encerrem escolas e não só. Mais dramático num país como o nosso, cancelam-se provas desportivas, incluindo o futebol. Os sinais acumulam-se ao longo do dia no sentido da dramatização.
Após as consultas com os partidos, o Conselho de Ministros reúne e rapidamente surge uma “fuga” de informação (que, em boa verdade já aparecera na véspera), muito antes de qualquer comunicação oficial. As escolas fecharão entre a próxima segunda-feira (dia 16) e o final do mês. E é razão para nos interrogarmos para que foi toda esta encenação? Para que serviram estes dois dias de impasse? Período de incubação necessário à preparação de medidas adicionais ao encerramento que ainda não teriam sido previstas?
Que lógica tem as escolas funcionarem na sexta-feira, com toda a gente com a cabeça já em outro lado? E esta quarentena “mitigada” será suficiente? Acham que assim, deslocando as duas semanas da paragem escolar, a sociedade aguentará o embate? E se os casos, conforme o modelo “plano” da progressão da pandemia, se prolongar por um mês? Com quem ficarão os “meninos” de que falava a directora-geral da Saúde na quarta-feira?
Permanecem muitas incógnitas em todo este processo, arrastado até aos limites da razoabilidade, com “recomendações” consultivas e “decisões” executivas, reuniões de horas sem nada de conclusivo e outras em que, quase antes do início, se conhece a conclusão, deixam a sensação de impreparação, indecisão, falta de uma liderança corajosa.
Não sabemos ainda — e esperemos que não existam ou não sejam graves — as consequências destas 48 horas de incubação de uma decisão que se tinha tornado incontornável. Por muito que as escolas pareçam ser a coluna vertebral que faz funcionar a nossa sociedade, a saúde de todos, a começar pela dos alunos, deveria ter estado desde sempre em primeiro lugar.