Operação Marquês: Ministério Público defende que todos 28 os arguidos devem ir a julgamento
Depois de rejeitar a alegada falta de transparência na investigação, Rosário Teixeira defendeu que todos os 28 arguidos devem ir a julgamento.
“Como é que se aceita que um ex-primeiro-ministro receba empréstimos de alguém que é administrador de uma sociedade que trabalha para o Estado”, questionou o procurador Rosário Teixeira que esta quinta-feira, na abertura do debate instrutório da Operação Marquês, defendeu que todos os 28 arguidos devem ir a julgamento.
“Aquilo que vimos ao longo desse processo foram várias situações que merecem reparo, para o senso comum das pessoas da rua. Como pode ser compreendido que haja um accionista e uma empresa que paga ao administrador da própria sociedade por fora? Como é que se aceita que um ex-primeiro-ministro receba empréstimos de alguém desde o tempo que foi primeiro-ministro, de alguém que é administrador de uma sociedade que trabalha para o Estado?” Ao questionar tudo isto, o procurador afirmou: “Todas estas questões merecem ser levadas a julgamento para um cabal esclarecimento, sob o risco de se criar uma ruptura por parte do cidadão e relação ao sistema de Justiça.”
Os procuradores Rosário Teixeira e Vítor Pinto defenderam, durante quase cinco horas, todos os termos da acusação e rebateram todas as questões dos Requerimentos de Abertura de Instrução (RAI). Destacou-se desta longa e intensiva intervenção, por exemplo, uma questão relacionada com o RAI de José Sócrates acerca da alegada irregularidade da distribuição dos juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Setembro de 2014, quando o processo foi parar às mãos do juiz Carlos Alexandre. Rosário Teixeira afirmou que as regras de escolha foram aprovadas pelo próprio Conselho Superior da Magistratura, tendo afirmado com convicção que “não há qualquer irregularidade na distribuição do juiz”.
Depois, para introduzir as questões levantadas no RAI do empresário e amigo de Sócrates, Carlos Santos Silva, o procurador deu quase uma aula sobre o que determina a legislação europeia relativamente ao branqueamento de capitais. Rosário Teixeira explicou que as comunicações das operações financeiras suspeitas são um dever por parte das instituições financeiras e que não são uma denúncia, logo não há violação do segredo.
O procurador lembrou como começou a investigação para demonstrar que ela foi feita com total transparência, sublinhando o facto de terem ocorrido três comunicações relativas a Carlos Santos Silva. Neste ponto referiu até que as comunicações partiram do Banco de Portugal e que havia dúvidas em relação a movimentações de um Carlos S. que aparecia no processo Monte Branco e o Carlos Santos Silva que apenas mais tarde e se tornou arguido na Operação Marquês.
“Não nos era possível comparar as transacções financeiras suspeitas entre Carlos Santos Silva e uma entidade chamada Carlos S. Na altura, não houve nenhum relacionamento entre estas personagens que tinham o mesmo nome. Só em Agosto de 2013. Até lá não foi estabelecida qualquer ligação entre os dois. A 19 de Julho de 2013, não tínhamos disponível elemento de suspeitas em relação a José Sócrates.”
Esta explicação foi feita para insistir que a investigação que deu lugar à acusação de 28 arguidos, entre eles José Sócrates, é inabalável. “É uma história de transparência, evidência e trabalho. E nada tem de oculto”, sublinhou.
"Parecia que não havia mais nenhuma empresa no mundo"
Sobre o RAI de Joaquim Barroca, ex-administrador do Grupo Lena, o procurador defendeu-se, argumentando que esta” acusação não é uma soma de factos genéricos”. “Há factos concretos”, afirmou, e deu como exemplo o facto de Portugal ter apresentado o Grupo Lena como a empresa que iria ajudar a Venezuela no problema da habitação social. “Parecia que não havia mais nenhuma empresa no mundo”, afirmou, acrescentando que era uma ideia defendida pelo próprio Governo de Sócrates.
E depois a questão do processo do comboio de alta velocidade em que, segundo o procurador, “mesmo perdendo o concurso, a Lena ganhou”. “Ganhou nos milhões que têm de ser pagos pelo Estado na decisão arbitral.”
Por volta das 16h20, Rosário Teixeira passou a palavra ao procurador Vítor Pinto, uma vez que já estava a ficar sem voz. A Vítor Pinto coube atacar o RAI de Hélder Bataglia. “Foram notados movimentos financeiros a partir de contas em Angola, Portugal e Suíça, através do grupo GES e controlados por Ricardo Salgado”, disse, afirmando em seguida que não há duvida que lhe deve ser aplicada a Lei penal portuguesa.
No RAI, Bataglia alegava que muitos dos crimes descritos na acusação contra si não foram cometidos em Portugal e que os mesmos tinham sido investigados e arquivados em Angola. Porém, para o Ministério Público (MP), o arguido actuou com arguidos que estavam em Portugal e algumas das transferências foram feitas em território português.
Rosário Teixeira tomou a palavra novamente e coube-lhe o ataque ao RAI da ex-mulher de José Sócrates, Sofia Fava, que questionou a “inteligibilidade” da acusação. “Mas as acusações são difíceis de escrever e de ler”, disse o procurador, sublinhando que Sofia Fava recebeu dinheiros de Carlos Santos Silva para sinal e pagamento de uma escritura de um monte no Alentejo, o Monte das Margaridas. Logo, há um crime de branqueamento de capitais porque estão subjacentes questões relativas à origem do dinheiro, defendeu Rosário Teixeira, que depois se ocupou do RAI de Henrique Granadeiro.
“O arguido estende a teoria da conspiração à existência de documentos que não lhe foram exibidos nos interrogatórios.” O procurador confirmou que não mostrou os referidos documentos, mas essas provas acabaram por ser exibidas ao longo do interrogatório. E isso é permitido pela lei, defendeu Rosário Teixeira, que também sublinhou que as informações obtidas junto das autoridades suíças nada tiveram de obscuro. Foram obtidas através de colaboração solicitada através de cartas rogatórias.
Zeinal Bava "prova a teoria” do MP
Seguiu-se o RAI de Zeinal Bava, antigo administrador da PT, que se referiu à OPA fracassada da Sonae sobre a PT. “Não ganhou porque não chegou ao preço pedido”, disse o procurador, sublinhando que é o próprio RAI de Zeinal Bava que prova a teoria do MP. “Depois de 2006, a história da OPA foi uma crónica de uma morte anunciada. Nunca teria a possibilidade de ter sucesso”, afirmou, para depois sustentar que no negócio da venda da participação da brasileira Vivo havia interesse do BES. “Era o único negócio que interessava a Ricardo Salgado no Brasil. Além disso, teceu um comentário sobre Zeinal Bava a respeito da questão da data da celebração do contrato de alocação fiduciária entre o arguido Zeinal Bava e a Enterprises Management Services, pelo facto de constar no mesmo a data de emissão do bilhete de identidade do ex-administrador da PT de 16 de Dezembro de 2014, quando a assinatura ocorreu em 2010.
Rosário Teixeira disse que esse comportamento não se adequa a um homem como o gestor. “Zeinal Bava foi o único homem que conheci que teve sucesso com os investimentos que fez nos anos da crise”, afirmou.
Da defesa da acusação, feita pelo MP, destaca-se ainda o facto de os procuradores considerarem, no caso do primo de Sócrates, José Paulo Pinto de Sousa, que ninguém faz um empréstimo de seis milhões de euros para depois os passar para a esfera de Carlos Santos Silva. Numa última consideração sobre Joaquim Barroca, Rosário Teixeira surpreendeu a sala com a seguinte afirmação: “Não querendo usar a expressão estúpido útil” em relação a Joaquim Barroca, o certo é que ele foi a pessoa útil em menor exigência, e de ser fácil de convencer a fazer determinado tipo de operações sem fazer uma pergunta sobre o que aquilo era e para onde ia o dinheiro.”
E a seguir disse: “Essa ingenuidade não leva a que se possa excluir para o dolo, o crime de branqueamento.”
O debate instrutório continua esta sexta-feira com a defesa de Barbara Vara, filha de Armando Vara, a quem, para o MP, o facto de esta dizer que nada sabia das contas do pai ou dos seus negócios a livra de responsabilidades. Aliás, segundo Rosário Teixeira, as comunicações entre os dois, existentes no processo, provam o contrário.