Faz sentido poder contratar treinadores rivais a meio da época?
O Sporting contratou Rúben Amorim ao Sp. Braga a meio de uma época desportiva. O clube minhoto, impotente, queixou-se e apelou ao debate sobre a temática, apesar de… já ter feito o mesmo no passado. Associação Nacional de Treinadores de Futebol garante ao PÚBLICO que não apoia regulação deste tipo.
Nos principais campeonatos há um mercado para transferências de jogadores aberto no Verão, geralmente de Junho a Agosto, e outro no Inverno, no mês de Janeiro – em 12 meses, são quatro dedicados à transacção de jogadores entre clubes de futebol. Para treinadores, porém, o cenário é outro. Há 365 dias disponíveis para contratar e inscrever novos técnicos. Por outras palavras, há 365 dias para deixar os rivais “de calças na mão”, “roubando-lhes” o treinador. Faz sentido?
Foi o que fez o Sporting com Rúben Amorim, ainda que este negócio de “roubo” tenha muito pouco – apesar de terem ficado com o treinador do principal rival na luta pelo terceiro lugar da Liga portuguesa, os “leões” prestaram-se a pagar dez milhões de euros. Será que o Sp. Braga se importou de ser “roubado” a troco de dez milhões? Desportivamente, é provável que sim. Financeiramente, é provável que não.
Não obstante, existe uma componente ética em toda esta temática. Rúben Amorim leva para o Sporting todos os segredos tácticos, técnicos, médicos e organizacionais do Sp. Braga, sem que os minhotos tenham a possibilidade de contornar esse facto. Além deste aspecto ético, há o desportivo: a equipa que perde o treinador vê o planeamento da temporada ruir num ápice, sem que nada possa fazer para o contrariar. Este cenário é tanto pior quanto mais próximas as equipas forem em matéria de equilíbrio competitivo – e Sporting e Sp. Braga são rivais directos na luta pelo pódio do campeonato.
ANTF defende modelo actual
O regulamento da FIFA relativo a transferências no futebol está aplicado apenas aos jogadores, mas nada está definido relativamente aos treinadores. José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), discorda de que isto seja um problema e recusa uma janela de transferências para treinadores. “É algo discutível, mas diria que não faz sentido. Na sua profissão há mercado de transferências? Então nos treinadores também não tem de haver”, dispara, ao PÚBLICO.
Confrontado com o facto de o futebol ter um “ecossistema” próprio e de os jogadores terem um mercado de transferências, o presidente da ANTF lembra que “os treinadores não têm as regalias dos jogadores nos descontos, por exemplo”.
Mas a ANTF tem apelado à paciência dos presidentes para com os treinadores, reclamando mais estabilidade aos técnicos no seu trabalho. Aplicar a janela de transferências aos treinadores não lhes traria, por extensão, protecção e estabilidade?
“Não acredito nisso. Não sei se estariam mais seguros. Eles [presidentes dos clubes] arranjariam sempre maneira de os substituírem, mesmo que não oficialmente. Veja o que se vai passar hoje na apresentação dos treinadores de dois clubes [Sporting e Sp. Braga, ambos com técnicos sem nível IV]. Eles arranjam sempre forma de contornar as leis”.
Salvador quer regulação, mas já esteve do lado oposto
Em Espanha, apesar de não haver mercado de transferências para treinadores, os regulamentos prevêem que um técnico não possa ser inscrito por duas equipas na mesma temporada. A norma, que pretende garantir equidade e ética competitiva, tem gerado polémica e há mesmo um movimento para a abolir.
Apesar de ser uma norma pouco usada na Europa e contestada em Espanha, António Salvador, presidente do Sp. Braga, apelou a um debate alargado em Portugal, que tivesse em conta uma regulação desta índole, para protecção dos clubes financeiramente menos apetrechados.
“As ocorrências dos últimos dias devem motivar uma reflexão, desportiva e ética. O Sp. Braga foi surpreendido pelo movimento de um clube concorrente, que à luz dos regulamentos e dos contratos conseguiu assegurar o nosso treinador (…) percebo quem argumenta que situações destas podem desvirtuar as competições e compreendo quem lembra o exemplo da Liga espanhola, onde tal não seria possível. Defendo um debate alargado no futebol português”, acrescentou, apesar de no passado… já ter feito o mesmo. Em 2016, contratou Jorge Simão ao Desportivo de Chaves em Dezembro, pagando a cláusula de rescisão do técnico. Nesse ano, foi o Sp. Braga a exercer o poder financeiro para tirar o treinador ao Desp. Chaves.
Ao contrário de Salvador, a ANTF não crê que trazer regulação para Portugal fizesse sentido, assumindo que o assunto até já foi discutido em Assembleias do organismo. “Uns concordam, outros não. Mas, pessoalmente, não acho que fizesse sentido. A carreira de treinador tem o seu contrato a prazo, que pode ser rescindido. A partir desse momento, os treinadores não podem ficar impedidos de continuarem a trabalhar. Ninguém pode tirar o direito ao trabalho a ninguém. É um direito constitucional. Bem sei que poderiam trabalhar na segunda divisão, mas isso seria injusto. Aliás, por algum motivo entre todas as federações da UEFA só em Espanha isso é aplicado. Acho que é a melhor resposta que posso dar”, argumenta.
Os treinadores não querem e os clubes mais poderosos quererão ainda menos. Assim, parece difícil traduzir em realidade o sonho regulador de António Salvador.