I Liga de regresso aos tempos da “chicotada fácil”

Em declarações ao PÚBLICO, a Associação Nacional de Treinadores de Futebol falou de “interesses desconhecidos” em torno da razia nos treinadores e classificou como “habilidade parola” a escolha de técnicos sem habilitações.

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António Salvador e Sá Pinto, os rostos de mais um despedimento na I Liga. LUSA/HUGO DELGADO

Em cerca de quatro meses de competição são já dez os treinadores despedidos em equipas da I Liga. O campeonato português está, assim, de regresso aos anos de maior facilidade em aplicar “chicotadas psicológicas” nos técnicos, superando, largamente, a média do século.

Em média, desde 2000, foram menos de seis os treinadores despedidos por temporada até à paragem do campeonato no Natal. Os dez técnicos já despedidos em 2019/20 quase duplicam o valor habitual na I Liga, chegando perto dos recordes: 2016/17, também com dez despedimentos, e 09/10, com 12.

A paciência dos presidentes está, portanto, de regresso aos valores mais baixos das últimas décadas, algo atestado, sobremaneira, pelos contornos surpreendentes do mais recente despedimento na I Liga, o de Ricardo Sá Pinto. Mas há mais.

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Um ponto comum entre Sá Pinto, Campelos, Vidigal e Keizer

Apesar da grande campanha na Liga Europa e do apuramento para a final a quatro da Taça da Liga, que organizará no Minho, o Sp. Braga decidiu que Ricardo Sá Pinto não deveria continuar no comando da equipa principal. E foi o décimo treinador a ser “chicoteado”, apesar de os resultados parecerem teoricamente satisfatórios – só o mau campeonato interno impede que a adjectivação seja ainda mais favorável.

Mas Sá Pinto não foi o único a sair num momento aparentemente tranquilo. No Boavista, Lito Vidigal foi despedido numa fase em que tinha os “axadrezados” dentro do top-10, sete pontos acima dos lugares de descida e a apenas três pontos de uma posição europeia. Terão pesado as eliminações nas taças.

Também no Moreirense surpreendeu a saída de Vítor Campelos. O técnico tinha o Moreirense a fazer um campeonato tranquilo, a apenas quatro pontos do top-5, tendo até, nos sete jogos anteriores ao despedimento, somado apenas uma derrota – e com o Sporting.

O outro caso curioso foi a saída de Marcel Keizer, no Sporting. O técnico holandês foi despedido apenas uma semana depois de ser líder do campeonato e um dia depois do fecho do mercado de transferências. Para o lugar de Keizer foi contratado o não formado Silas (já depois de um período com Leonel Pontes).

E é algo assim que deverá acontecer também no Sp. Braga, pelo menos no curto prazo. A substituição de Sá Pinto será assegurada por Rúben Amorim, treinador que… também não está habilitado a treinar na I Liga. A falta de habilitações de Amorim já motivou, de resto, muita polémica.

Quando treinava o Casa Pia, as instruções em campo dadas pelo então treinador estagiário resultaram numa penalização dura ao clube, que perdeu seis pontos no Campeonato de Portugal (castigo mais tarde revertido pelo Tribunal). O técnico acabou por sair do Casa Pia, tendo, mais tarde, ingressado na equipa B do Sp. Braga, que agora troca pela formação principal.

“Uma habilidade parola”, diz a ANTF

A aposta em Rúben Amorim, a confirmar-se, é, para a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), uma “habilidade parola”. “É uma habilidade parola dos clubes. Ele [Amorim] não será inscrito como treinador, mas haverá um treinador com nível IV a ser inscrito. E não se compreende que esses treinadores se prestem a isso”, disse José Pereira, presidente da ANTF, em declarações ao PÚBLICO.

O dirigente condenou, ainda, a parca paciência dos presidentes dos clubes. “Este número de despedimentos só merece um comentário de repúdio. É uma prepotência dos presidentes. E a única explicação para uma razia assim, nesta altura da época, é a de que existirão interesses que nós não conhecemos”, argumentou.

Questionado sobre o problema ético da troca de treinadores entre equipas do mesmo campeonato, José Pereira assumiu que, apesar de o “direito ao trabalho ser irreversível”, “têm de existir regras, até porque essas trocas entre clubes rivais adulteram um pouco o princípio do desporto”.

Sugestões práticas a ANTF não tem, no entanto. “Sugestões? Sugestões não temos, porque, até pelos dados que me apresentou, o número de despedimentos nos últimos anos não tem sido alto e não temos pensado muito nisso”. “E esperamos que que este ano seja uma excepção“, finalizou.

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