Operação Marquês: Sócrates considera que atribuição do inquérito foi manipulada

Antigo primeiro-ministro diz que processo foi entregue pelo Ministério Público ao juiz Carlos Alexandre “sem que tenha havido sorteio”. Situação é comparada com a que agora veio a público no Tribunal da Relação de Lisboa.

Foto
LUSA/ANTONIO COTRIM

O antigo primeiro-ministro José Sócrates alegou esta quarta-feira que a distribuição do inquérito da Operação Marquês, em que é arguido, foi manipulada, de forma “ilegal e manual”, em Setembro de 2014, com violação do princípio do juiz natural.

À entrada para prestar novas declarações ao juiz Ivo Rosa, na fase de instrução, Sócrates afirmou aos jornalistas que o que se passou agora com as suspeições sobre a atribuição de processos no Tribunal da Relação de Lisboa é um episódio que já tinha acontecido na Operação Marquês.

Segundo o antigo primeiro-ministro, em 9 de Setembro de 2014, o caso foi entregue ao magistrado Carlos Alexandre de forma manual e sem sorteio, quando já existiam dois juízes no Tribunal Central de Instrução Criminal.

“As suspeitas que existem na viciação de processos na Relação [de Lisboa] são exactamente as mesmas que existiram na Operação Marquês”, insistiu José Sócrates, considerando que, na altura, o processo foi entregue pelo Ministério Público ao juiz Carlos Alexandre “sem que tenha havido sorteio”.

Para o ex-primeiro-ministro, “foi a chamada distribuição manual, exactamente como o caso que agora se descobriu na Relação”.

Confrontado com o facto de o também arguido e ex-ministro Armando Vara ter apresentado uma queixa Conselho Superior da Magistratura com o fundamento da distribuição manual, e que foi indeferida por se considerar que as suspeitas não se verificavam, Sócrates assinalou que aquele órgão de gestão de juízes alegou que, em 9 de Setembro de 2014, tinha havido “um apagão genérico do sistema electrónico” de sorteio de processos.

“Acontece que isso não é verdadeiro, porque o presidente do IGFIJ [Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça do Ministério da Justiça] já veio dizer nos autos [da operação Marquês] que isso [o apagão] não se verificou”, declarou o ex-chefe do Governo.

Segundo Sócrates, essa justificação do Conselho Superior da Magistratura “não explica nada, denotando encobrimento”.

“Espero que o Conselho Superior da Magistratura não tente encobrir esta acção ilegal e olhe para isto como deve ser”, sublinhou.

O antigo primeiro-ministro declarou que “só as ditaduras escolhem juízes” e que, “quando se viola a lei, é porque algo não corre bem”.

Sócrates considerou ainda que o Ministério Público escolheu o juiz Carlos Alexandre na fase de inquérito, porque era o juiz “que lhe convinha”.

“Isso é ilegal, a justiça tem de estar acima das partes, ser imparcial e ser um árbitro”, sustentou

O antigo primeiro-ministro José Sócrates presta novas declarações na instrução do processo Operação Marquês, depois de ter sido chamado a depor pelo juiz Ivo Rosa, que tinha programado para hoje o início do debate instrutório.

O debate instrutório do processo Operação Marquês estava marcado para as 14:00 de hoje, mas com a intenção de última hora de ouvir novamente José Sócrates, que já tinha sido inquirido na fase de instrução, implica necessariamente que o debate instrutório não comece à hora inicialmente prevista.

O juiz já marcou nove sessões de debate instrutório, devendo as defesas de alguns dos arguidos invocar novamente as alegadas ilegalidades que dizem existir no processo e que já foram apresentadas a Ivo Rosa no Requerimento de Abertura de Instrução.

Vários dos 19 arguidos que pediram a abertura da fase de instrução invocaram nulidades e refutaram os crimes económico-financeiros de que estão acusados.

Durante o seu depoimento na fase de instrução, José Sócrates reiterou que a acusação é “monstruosa, injusta e completamente absurda” e mostrou-se muito satisfeito como as coisas estavam a correr.

José Sócrates, que esteve preso preventivamente durante dez meses e depois em prisão domiciliária, está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

A acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santos e na PT, bem como por garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.

O Ministério Público imputou a 28 arguidos, 19 pessoas e nove empresas, um total de 188 crimes.