Aeroporto do Montijo – uma opção de futuro? Não!
Perante a estratégica importância do aeroporto para a economia nacional, seria inconsciência não promover o esclarecimento total e definitivo das questões que assolam as mentes dos responsáveis pela decisão.
Num artigo publicado em 18 de fevereiro, o secretário de Estado adjunto e das Comunicações, além de discorrer sobre a estupidez dos pássaros, referiu-se ao que designou por “Grupo de Alverca”, para dizer que os engenheiros pretendiam aterrar o rio Tejo para construir a nova pista do aeroporto. Ora, esta questão nunca figurou na nossa proposta e é por demais abstrusa e estrambólica. Basta ver tudo o que publicámos sobre o aeroporto em Alverca para se constatar a irracionalidade da afirmação.
A necessidade urgente de resolver a insuficiente capacidade do aeroporto da Portela (Humberto Delgado) e o problema do ruído excessivo e dos riscos sobre a população de Lisboa e de Loures, sobrevoada diariamente por mais de 600 voos, motivaram que, por imperativo ético de cidadania, desenvolvêssemos pro bono uma solução conforme aos interesses nacionais. Esta solução é alternativa à proposta atamancada da Vinci, que não satisfaz as condições mínimas do Contrato de Concessão assinado em 2012. Infelizmente, a solução que desenvolvemos é vilipendiada por quem, evocando elevados padrões de ética, tinha a obrigação de se informar antes de propalar dislates sem fundamento que distorcem a realidade dos factos.
A solução que desenvolvemos consiste em construir uma terceira pista do aeroporto da Portela (mantendo as duas existentes) no que resta do Mouchão da Póvoa de Santa Iria, localizado junto à margem direita do rio Tejo, junto do aeroporto de Alverca. O mouchão está atualmente inundado por água salgada, desde a destruição parcial do dique marginal de proteção no início de 2016, e foi sujeito até aos dias de hoje à erosão provocada pelas correntes fluviais e das marés que arrastaram para o exterior grande parte dos terrenos, maioritariamente areias (e não lodos), que constituem o próprio mouchão.
Os quatro anos já passados sem que a reparação do dique tenha sido realizada pelas entidades responsáveis tiveram como consequência a irremediável alteração dos usos e do habitat deste mouchão. E, a prazo, a própria hidrodinâmica do estuário encarregar-se-á de alterar a configuração do mouchão, mantendo-se a ausência de intervenção humana.
É no agora degradado mouchão que se propõe a instalação da nova pista com orientação paralela à pista principal (03-21) da Portela. Esta seria construída à cota 6,00 m (relativamente ao zero topográfico), com folga acima da máxima cheia do Tejo conjugada com o nível de preia-mar de águas vivas acrescido da subida do nível médio do mar devido às alterações climáticas até 2100. A utilização proposta, com as vantagens económicas evidentes, terá ainda a contrapartida ambiental de melhorar a saúde e o bem-estar de cerca de 300.000 habitantes de Lisboa e Loures por desviar mais de sete milhões de voos (incluindo todo o longo-curso) durante a vida da concessão, até 2062, além de reduzir os riscos de acidente sobre áreas densamente povoadas. Os movimentos de aproximação à pista e de descolagem realizam-se sobre o rio Tejo, não afetando as populações de Lisboa e dos concelhos de Loures e de Vila Franca de Xira, afastadas do cone de ruído. Esta solução, apresentada às autoridades em 2018, não foi avaliada pelas entidades oficiais.
Acresce que o desvio dos voos da cidade de Lisboa tornará a cidade mais aprazível também para os milhões de turistas que nos visitam, fortemente penalizados pelo ruído dos aviões, incómodo que já foi resolvido na maior parte das cidades onde residem habitualmente e onde os aeroportos citadinos foram mantidos, mas com tráfego reduzido e sem voos noturnos, ou foram afastados. Atualmente, não existe na Europa um único hub localizado dentro da cidade ou que tenha uma só pista, como proposto pela Vinci para o aeroporto da Portela com capacidade expandida.
Com o espaçamento de 4500 m, o par de pistas paralelas Alverca-Portela será dos melhores a nível europeu e mundial
Admitimos que algumas dúvidas que têm sido divulgadas resultem do desconhecimento, ou da desinformação, sobre o afastamento lateral mínimo entre pistas paralelas com operação independente, num mesmo aeroporto ou em aeroportos que concertadamente funcionem em conjunto. Desconhecemos onde alguns se baseiam para defender que o espaçamento mínimo entre pistas paralelas deveria ser de 3 milhas náuticas (≈5,5 km), um erro grosseiro pois nenhum aeroporto mundial com pistas paralelas alcança essa dimensão (o mega aeroporto de Chicago, com cinco pistas paralelas, é o que mais se aproxima, com 5,1 km).
Perante a repetida dúvida, aproveitamos para melhor esclarecer esta questão no caso concreto de Lisboa. O Contrato de Concessão referido estabelece, como especificação mínima, que “as duas primeiras pistas deverão ter um comprimento aproximado de 4000 m, estar afastadas entre si 1980 m (≈ 1 milha náutica), e deverão poder ser operadas independentemente uma da outra” e, quanto à operação independente, determina que deverá respeitar “a norma do Anexo 14 e SOIR (doc. 9643) da ICAO”. Este documento estabelece, para a operação independente (i) de duas pistas paralelas existentes ou (ii) quando se vai construir uma paralela a uma pista já existente (é o caso), que o mínimo afastamento varia entre 1035 m e 1525 m.
Na Europa, os aeroportos apresentam espaçamento entre pistas paralelas desde 1310-1400 m (Madrid, Barcelona e Londres) até ao máximo de 4900 m (Amesterdão).
Na solução que propomos, o espaçamento entre pistas é de 4500 m, o que está ao nível dos melhores aeroportos europeus e a nível mundial, destacando-se, em termos de segurança, o desfasamento longitudinal entre pistas (NLR Technical Publication TP 97183 U – Collision risk related to the usage of parallel runways for landing).
O hub de Lisboa (Alverca-Portela), em termos de operação aeronáutica, seria, assim, composto por quatro pistas (três existentes, duas na Portela e uma em Alverca), em que duas pistas longas (3700 m na Portela e 4200 m, a nova pista de Alverca) formam um largo canal de pistas paralelas. As outras duas pistas seriam de apoio, para funcionarem em caso de emergência.
Acresce que a solução proposta tem a vantagem de ter já construídas as infraestruturas de acesso a todo o país, quer ferroviário, pela Linha do Norte, já quadruplicada entre Lisboa e Alverca, quer rodoviário, pela A1, CREL e A30. Será apenas necessário construir uma linha de comboio ligeiro automático para assegurar a transferência direta entre os terminais da Portela e de Alverca (cerca de 14 km), que funcionariam como um único aeroporto. Esta solução tem um custo global muito inferior ao da solução da Vinci, que não atende ao interesse nacional nem assegura o adequado funcionamento das companhias aéreas, como foi referido pela transportadora TAP.
O aeroporto do Montijo, complementar da expansão do aeroporto da Portela, é uma solução mal engendrada para dar resposta às necessidades aeroportuárias de Lisboa e do país nas próximas décadas. Certamente que nem os lisboetas e os residentes de Loures, condenados a ser fatalmente massacrados pelo ruído até 2062, nem os portugueses em geral, merecem tão gravosa solução após mais de 50 anos de estudos e hesitações sobre o novo aeroporto de Lisboa.
António Segadães Tavares, engenheiro civil, autor dos projectos premiados da ampliação do aeroporto da Madeira e do Pavilhão de Portugal da Expo 98, entre outros
António Carmona Rodrigues, engenheiro civil, professor da UNL, ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa
António Gonçalves Henriques, engenheiro civil, professor do IST, ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente
Fernando Nunes da Silva, engenheiro civil, urbanista, professor do IST
José Furtado, engenheiro civil, especialista em planeamento estratégico de infra-estruturas de transporte
Luís Póvoas Janeiro, professor da Universidade Católica
Ricardo Reis, professor da Universidade Católica
Rui Vallejo de Carvalho, professor da Universidade Católica
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico