Tribunal britânico trava expansão de aeroporto por pôr em causa metas do Acordo de Paris

Em causa está a construção de uma terceira pista em Heathrow, que serve Londres e já é um dos mais movimentados do mundo. Pela primeira vez, um tribunal confirmou que as metas de temperatura do Acordo de Paris têm um efeito vinculativo.

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A satisfação com a decisão judicial conhecida esta quinta-feira entre os peticionários da acção LUSA/ANDY RAIN

A expansão do aeroporto Heathrow, o maior da área de Londres, foi travada por um tribunal de recurso britânico, que considerou ilegal a construção de uma terceira pista no local, por não terem sido considerados devidamente os compromissos do Governo no cumprimento das metas do Acordo de Paris. Segundo o diário britânico The Guardian, é a primeira vez que este acordo, que procura manter a temperatura do planeta bem abaixo dos 2 graus Celsius e, se possível, apenas 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, serve como base para uma decisão judicial.

O aeroporto de Heathrow é um dos mais movimentados do mundo, passando por lá cerca de 80 milhões de passageiros por ano. A nova pista, que poderia estar pronta em 2028, caso não existissem processos judiciais a correr, permitiria que mais 700 aviões o utilizassem por dia. O aumento de emissões seria, por isso, bastante elevado, na mesma altura em que o Governo britânico se comprometeu a atingir as emissões líquidas zero em 2050.

Várias acções contestando a posição do Governo conservador sobre a construção da pista – que permitiu que o projecto avançasse – foram apresentadas nos tribunais britânicos, mas acabaram por ser recusadas. Contudo, os cidadãos e organismos que avançaram com esses processos recorreram para o equivalente britânico ao Tribunal da Relação, e foi sobre um desses casos, apresentado por uma associação denominada “Plan B”, que recebeu agora uma decisão favorável à pretensão dos peticionários. O tribunal rejeitou outros argumentos apresentados – como a poluição do ar e sonora ou o aumento de tráfego –, mas aceitou aquele que considerava que a posição do Governo, de 2018, sobre a construção da pista não teve em conta as metas que o país se comprometeu a cumprir ao assinar o Acordo de Paris.

O The Guardian ouviu uma especialista em direito público, da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, que considerou que as implicações desta decisão inédita “são globais”. “Pela primeira vez, um tribunal confirmou que as metas de temperatura do Acordo de Paris têm um efeito vinculativo. Esses objectivos são baseados nas provas esmagadoras sobre os riscos catastróficos de ultrapassarmos um aquecimento global de 1,5 graus Celsius. Contudo, há quem argumente que esse objectivo é puramente indicativo, deixando os governos livres para, na prática, o ignorar”, disse Margaretha Wewerinke-Singh ao diário britânico.

O actual primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, já se manifestou contra a construção desta terceira pista e o actual ministro responsável pelos transportes já fez saber que o Governo não irá recorrer da decisão judicial tomada esta quinta-feira. Contudo, a porta-voz do Heathrow já anunciou que os responsáveis pelo aeroporto irão recorrer para o Supremo Tribunal, afirmando estar “confiante” que o recurso será bem-sucedido.

A decisão do tribunal britânico é conhecida no mesmo dia em que, por cá, continua a discutir-se a construção de um aeroporto complementar ao Humberto Delgado, em Lisboa, na base aérea do Montijo.

Apesar de estar a ser alvo de muita contestação – incluindo nos tribunais - o projecto tem uma declaração de impacte ambiental favorável condicionada, mas soube-se entretanto que pode ser travado caso não seja aprovado por todas as autarquias afectadas pela infra-estrutura.

O poder de veto municipal levou o ministro das Infra-Estruturas, Pedro Nuno Santos, a pedir que haja uma mudança na lei, mas a maior parte dos partidos representados na Assembleia da República (onde o PS não tem maioria) já se manifestaram contra essa possibilidade.

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