Tradição voltou a encher rua açoriana de plásticos. Tudo foi apanhado mas isso é suficiente?
A tradição de Carnaval da Batalha das Limas voltou a deixar Ponta Delgada repleta de sacos de plástico. No final, todos contribuíram para a limpeza do plástico que será “totalmente reciclado”.
Mais um Carnaval. Apesar de ter terminado mais cedo do que era suposto, a Batalha das Limas voltou a cobrir a avenida marginal de Ponta Delgada com milhares de sacos de plástico, a arma de arremesso de uma tradição que reúne centenas de pessoas na principal artéria da cidade mais populosa dos Açores. O lixo foi apanhado mas as críticas sobrevivem.
A celebração acabou duas horas antes do previsto devido à queda de um dos participantes dos camiões que protagonizaram a batalha. O jovem perdeu os sentidos, foi assistido no local pelos Bombeiros e reencaminhado para o Hospital Divino Espírito Santo. Horas mais tarde, o hospital recusou prestar quaisquer esclarecimentos sobre o estado de saúde do Guerreiro da Água - como são conhecidos os participantes da Batalha.
O pânico com que encerrou contrasta com o sentimento vivido nas três horas anteriores. “Este dia é de alegria, amizade e grande liberdade”, resumiu Luís Medeiros ao PÚBLICO, enquanto procurava sacudir a água do cabelo O engenheiro civil participa há mais de 30 anos na batalha, numa tradição que tem passado as várias gerações da família. Apesar de haver quem defenda o fim da Batalha, Luís espera que a tradição continue a ser o que era.
“É um sítio concentrado, os plásticos são fáceis de apanhar, de limpar e reciclar e aqui só há plástico, não há mistura de mais nada”, afirma, em reacção aos apelos de grupos ecológicos para que se proíba a Batalha das Limas. Em causa está o uso do plástico descartável e a proximidade daquela avenida com o mar.
Luís faz parte das centenas de apeados que se juntam a uma batalha de água entre oito camiões, cada um com cerca de 15 elementos. Cristiano Graça é o capitão do camião da freguesia da Fajã de Baixo e confessou que a equipa tinha cerca de 65 quilos de sacos de água. Tem 40 anos, participa desde que era criança e mostra-se confiante no futuro da batalha. “A tradição tem de continuar, a Câmara nunca nos falhou, estamos sempre em parceria com eles”, apontou.
Para edição deste ano, a Câmara Municipal de Ponta Delgada implementou medidas para tornar a guerra de plástico mais sustentável. A zona de batalha foi limitada, foram colocadas vedações para evitar a ida de plástico para o mar e os milhares de sacos de plástico utilizados foram reencaminhados para a reciclagem. “Nada daquele plástico se perde, é todo recolhido e vai ser utilizado em outros formatos”, explicou ao PÚBLICO Pedro Furtado, vereador do município, antes da batalha ter início.
Ao longo do último ano, o executivo de Ponta Delgada tentou encontrar alternativas biodegradáveis para os sacos utilizados na batalha - mas sem sucesso. O plástico utilizado na batalha, vulgarmente conhecido como o saco de pipoca, não é abrangido pela lei que proíbe os descartáveis e apenas a legislação poderá provocar a morte da Batalha. “É uma manifestação popular que surge, a Câmara, como entidade gestora de espaço, o que tem é de adequar a manifestação popular às exigências e à preocupação ambiental”, afirma o autarca, defendendo que não cabe ao município proibir manifestações populares.
Na opinião de José Pedro Medeiros, presidente da Associação Ecológica Amigos do Calhau, as medidas do município são insuficientes. “Temos de mudar de paradigma, vamos optar por outras ideias e deixar esse atentando ambiental de parte”, afirma, sugerindo que se faça a batalha com “baldes de águas” ou que se opte por “desfiles carnavalescos”, até porque a tradição não é “tão antiga assim”. Há cerca de cem anos, quando começou, a batalha era feita com flores, passou para limas (bolas feitas de cera) e com o novo milénio acompanhou a tendência global da utilização de sacos de plástico. Para o ambientalista, a reciclagem total do plástico após a batalha não é suficiente, porque o que “está em causa” é o “princípio de reduzir” em vez de se “incentivar” os plásticos descartáveis. “Está-se a promover a utilização do plástico em vez de se reduzir, andamos todo o ano a querer ser sustentáveis, mas neste dia pode-se fazer tudo”, critica.
Após o final abrupto da Batalha, participantes, bombeiros e funcionários da câmara recolheram o imenso manto de plástico que cobria a avenida. Horas depois, já eram poucos os vestígios da batalha dos sacos plásticos. Vale a limpeza o desperdício? A tradição diz que sim.