Bruxelas volta a incluir Portugal na lista dos países com desequilíbrios macroeconómicos

Comissão assinala evolução positiva da situação portuguesa, mas alerta que o nível de endividamento público e privado, a fraca produtividade e o ritmo lento das reformas fragilizam a economia.

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LUSA/OLIVIER HOSLET

A Comissão Europeia voltou a incluir Portugal na lista dos países com desequilíbrios macroeconómicos, e as razões invocadas por Bruxelas são as mesmas dos dois anos anteriores em que o país também foi abrangido por esta categoria: o elevado endividamento público e privado, o peso do crédito malparado no sistema bancário, a fraca produtividade da economia e a implementação lenta do programa de reformas com que se comprometeu.

Na habitual apresentação do chamado Pacote de Inverno do Semestre Europeu, esta quarta-feira em Bruxelas, Portugal foi identificado como um dos nove Estados-membros que na classificação da Comissão se encontram em situação de fragilidade ou “desequilíbrio económico” — ou por causa das vulnerabilidades ligadas aos níveis elevados da dívida, caso da Espanha, Irlanda e Croácia; em função da baixa produtividade, como em França, ou do impacto negativo dos preços do imobiliário, como na Suécia. Na Roménia, os desequilíbrios estão ligados à perda de competitividade e défice orçamental.

A Alemanha e a Holanda voltam a fazer parte da lista por causa dos superavits das suas contas correntes, uma ocorrência “persistente” apesar de algumas medidas de estímulo lançadas pelos países destinadas a reduzir o valor dos excedentes orçamentais.

Noutros três Estados-membros - Chipre, Grécia e Itália - a situação é um pouco mais grave, com Bruxelas a apontar a existência de “desequilíbrios excessivos”, que representam um factor acrescido de risco para as respectivas economias, e por isso mesmo carecem de medidas correctivas mais exigentes, seja para corrigir o défice das contas públicas, reduzir o rádio do crédito malparado ou a dívida pública.

Apesar de assinalar uma tendência positiva na evolução da situação portuguesa, os serviços técnicos da Comissão voltaram a detectar um passivo líquido na balança corrente, um nível elevado de endividamento tanto no sector público como no privado, um peso ainda crítico do crédito malparado no sector bancário e um valor relativamente baixo no crescimento da produtividade.

Portugal: crescimento acima da média, faltam reformas

“A performance económica de Portugal mantém-se favorável, com um crescimento de 2% que está acima da média europeia. A taxa de emprego também está acima da meta europeia para 2020, e o desemprego atingiu o nível mais baixo dos últimos 17 anos”, lê-se no relatório.

“O enfraquecimento da procura externa está a pesar negativamente nas exportações mas a procura interna continua a crescer de forma consistente, apoiada no consumo privado e no investimento”, acrescentam os serviços da Comissão, que prevêem um efeito económico positivo de um aumento da execução dos fundos estruturais da UE.

No que diz respeito à performance orçamental do país, Bruxelas voltou a apontar para o risco de incumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento quando fez a avaliação do Orçamento do Estado para 2020.

Mas, como sublinhou ao PÚBLICO o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, “no caso de Portugal temos de reconhecer que o défice orçamental foi substancialmente reduzido, e também que a dívida pública está claramente numa trajectória descendente”. Para o dirigente europeu, tratam-se de “desenvolvimentos positivos”.

Menos positivo é o ritmo de execução do programa de reformas. “Em relação à implementação das recomendações específicas [que Bruxelas faz a cada um dos Estados-membros], a avaliação é que mais uma vez houve um progresso limitado”, disse Dombrovskis.

“Desde o início do Semestre Europeu, em 2011, 69% de todas as recomendações específicas dirigidas a Portugal registaram pelo menos ‘algum progresso’ e 31% registaram um progresso ‘limitado’ ou ‘nenhum’”, aponta o relatório, que destaca as áreas da educação, mercado laboral, sector financeiro e sistema de justiça como as áreas onde as reformas avançaram mais depressa e as matérias estruturais e orçamentais ou a promoção do ambiente de negócios como os desafios que o país ainda tem de resolver.

Semestre mais verde

A novidade da apresentação desta quarta-feira foi a inclusão de três novos elementos de análise no Semestre Europeu, enquadrados na “nova narrativa” de transformação climática do executivo liderado por Ursula von der Leyen, que ambiciona ter a Europa a atingir a neutralidade carbónica em 2050.

Assim, e pela primeira vez, a Comissão avaliou os progressos dos Estados-membros no cumprimento dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas do ponto de vista das políticas macroeconómicas e do emprego.

Também foram identificados os desafios e oportunidades decorrentes da mudança de paradigma energético e climático em cada um dos 27 países da União Europeia e divulgada a proposta de elegibilidade territorial do novo Fundo de Transição Justa, que vai concentrar o seu investimento nas zonas onde os riscos e incertezas associadas a essa mudança são mais agudos.

“Estamos a passar uma nova mensagem, estamos a tornar o Semestre mais verde e a fazer dos objectivos de desenvolvimento sustentável um novo pilar para a avaliação dos progressos dos países”, comentou o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni.

“Desigualdades persistem”

Outra mensagem que a Comissão quis fazer passar neste Semestre foi a de que a UE tem de fazer mais para aumentar a sua produtividade, uma vez que está atrás de todos os seus concorrentes mundiais, e também de melhorar a qualificação da sua mão de obra, outro indicador em que se vê ultrapassada por outras economias capazes de atrair e reter “cérebros”.

O comissário para o Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, prometeu apresentar no próximo mês uma “agenda para as qualificações”.

Apesar do retrato geral do mercado laboral ser francamente favorável, com o maior número de sempre de pessoas empregadas, ainda há diferenças acentuadas entre países e regiões e faixas etárias.

“A economia não está a funcionar para todos e as desigualdades persistem”, lamentou Nicolas Schmit, notando que o crescimento moderado dos salários tem deixado de fora os trabalhadores com remunerações mais baixas e que as mulheres continuam a perder para os homens em termos de contratação e igualdade salarial.

Texto actualizado às 13h30m.

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