Entre a felicidade do intermodal e a tristeza do “veto político” ao Matadouro

Rui Moreira visitou a obra do terminal intermodal, que mantém previsão de conclusão para Junho de 2021. Matadouro, também em Campanhã, aguarda visto do Tribunal de Contas há 365 dias. “É lamentável”, comentou.

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Obra arrancou em Setembro e deverá estar pronta em Junho de 2021

Nos 24 mil metros quadrados, nas traseiras da Estação de Campanhã, já se escavou cerca de 12 metros, instalaram-se 4700 metros lineares de estacas e 110 de ancoragens, usou-se 3800 metros cúbicos de betão e 430 mil quilos de aço. As contabilidades são de quase seis meses de obra do futuro terminal intermodal de Campanhã, estrutura que terá um “impacto muito importante na mobilidade da cidade”, abrangendo comboios suburbanos e de longo curso, metro, rede urbana da STCP e ainda autocarros de serviço intermodal. A infra-estrutura, que terá também parque de estacionamento para 270 carros, terminal de camionagem, estação de serviço, parques de bicicleta e táxis – além de um grande parque verde na cobertura – vai custar 13 milhões de euros e estará pronta em Junho de 2021.

Rui Moreira vestiu colete amarelo e capacete para visitar pela primeira vez o estaleiro da obra iniciada em Setembro passado. “As coisas estão a correr muito bem”, congratulou-se, sublinhando que a construtora lhe havia garantido estar tudo alinhado para cumprir o calendário anunciado. “Fará nessa altura 18 anos que foi anunciado como prioridade para a cidade do Porto a construção de um terminal intermodal”, comentou em tom irónico.

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O “fantástico” projecto de Nuno Brandão Costa, arquitecto que também fez a requalificação do bairro de São João de Deus, vai permitir “fazer uma ligação na cidade cortada pela linha férrea” – numa zona onde também a Circunvalação e a VCI funcionam como barreira, não só física mas também psicológica, e oferecer ao Porto Oriental um parque urbano na cobertura do intermodal, com uma área ajardinada de 4,6 hectares, que fará dela o maior pólo de absorção de carbono do Porto.

É uma valência importante para a urbe e para a freguesia, apontou Rui Moreira, que elegeu Campanhã como uma prioritária no seu programa eleitoral. E é também por isso que o dia tinha sabor agridoce. “É um momento muito feliz por um lado, por ver que isto está a ficar pronto, e muito triste porque são 365 dias de veto [ao Matadouro]. É lamentável.”

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Projecto é da autoria do arquitecto Nuno Brandão Costa DR

O dia era de coincidências de calendário. Depois de parecer possível cumprir uma promessa com 18 anos em 2021, com a abertura do intermodal, Rui Moreira trouxe outro número à conversa a propósito do Matadouro. “Cumprem-se hoje exactamente 365 dias desde o dia em que apresentámos o recurso ao Tribunal de Contas”, sublinhou, “há 365 dias que faz veto de gaveta”.

No mesmo tom crítico que tem assumido perante as várias posições do TdC em relação a obras na cidade, o autarca assumiu ter “um plano b e até um plano c” para aquele espaço, desactivado desde os anos 90. Mas recusou falar sobre ele antes de o tribunal se pronunciar. Avançar para essa alternativa sem essa pronúncia colocaria a autarquia “em risco de ter de pagar uma indemnização à empresa que ganhou o concurso público internacional”, justificou.

Depois do veto do TdC, que apontou várias ilegalidades ao projecto apresentado pelo executivo, a Câmara do Porto recorreu, cumprindo os dez dias previstos na lei. E desde aí que aguarda, já impacientemente, uma resposta, não tendo ocorrido “nenhum contacto” com essa entidade desde essa altura.

Em Dezembro, numa declaração conjunta com o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, que esperava também luz verde para avançar com um programa de renda acessível, os autarcas endureceram o tom da crítica. Em Lisboa, o projecto acabou por ser aprovado – mas na Invicta a espera continua. À época, Medina e Moreira depositavam esperança no decreto-lei sobre o regime jurídico das parcerias público-privadas que adicionava um artigo que podia fazer a diferença: “O disposto no presente diploma não se aplica (…) aos municípios e às regiões autónomas, bem como às entidades por estes criadas.”

Mesmo depois disso, o autarca do Porto soube apenas aquilo que o TdC comunicou aos jornalistas: o assunto estava a ser tratado e seria concluído no seu tempo. Algo com o qual não se conforma: “O seu tempo não se conforma com o tempo da democracia”, reclamou.

Para Rui Moreira, a câmara está a cumprir aquilo que está ao seu alcance, mas a dificuldade em explicar aos munícipes a razão pela qual o projecto com a assinatura do arquitecto japonês Kengo Kuma não avança é grande. “É por isto que surgem extremismos e populismos e as pessoas deixam de acreditar”, afirmou, convocando para o debate o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, que quando visitou o espaço, em Janeiro passado, se disse “apaixonado” pelo projecto, procurando dar-lhe um empurrão. “Deixo uma pergunta: o Presidente da República é responsável pelo normal funcionamento das instituições democráticas. Se isto é o normal funcionamento, estamos conversados.”

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Projecto do Matadouro foi vetado eplo Tribunal de Contas há um ano Inês Fernandes

Evitando chamar “incompetentes” aos responsáveis pelo TdC, por correr o risco de ter um “processo crime”, não poupou na leitura política: “Há uma coisa que parece óbvia: hão-de explicar-me se isto não é um veto político...” O PÚBLICO questionou o TdC, mas não obteve qualquer resposta.

A reconversão do Matadouro foi apresentada por Rui Moreira como o seu projecto game changer para Campanhã, freguesia com 30 mil habitantes e a única ganha pelo Partido Socialista na cidade. E lamenta não poder levá-lo avante. “Podemos estar daqui a 18 anos à espera que o TdC um dia nos explique por que é que fez a cativação”, afirmou. “Isto é um aspecto que me preocupa muito, porque tínhamos pensado nestes dois projectos, [intermodal e Matadouro], como âncoras para Campanhã.”

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