Demissão do ministro das Finanças baralhou remodelação no Governo de Johnson
Javid rejeitou os termos do primeiro-ministro e bateu com a porta na primeira remodelação pós-“Brexit” no executivo britânico. Sunak foi escolhido para o lugar e os restantes pesos-pesados mantiveram os postos. Mas há nomes fortes entre os dispensados.
Concluída, com sucesso, a caminhada do Reino Unido até à saída da União Europeia, Boris Johnson decidiu que já era tempo de fazer mexidas na sua equipa para a adaptar às novas prioridades da governação. Mas uma remodelação que se previa relativamente tranquila acabou por se revelar bastante agitada, fruto da demissão inesperada de Sajid Javid do influente cargo de ministro das Finanças, em choque com o primeiro-ministro.
Em causa esteve uma rejeição absoluta de Javid dos termos que lhe foram propostos, esta quinta-feira, por Johnson, numa reunião no número 10 de Downing Street. Para continuar a exercer o posto de chancellor, explicou-lhe o líder do Governo, o antigo ministro do Interior de Theresa May teria de dispensar todo o seu staff político e substituí-lo por assessores do próprio primeiro-ministro, criando-se, dessa forma, uma única equipa para os dois ministérios.
“O ministro das Finanças disse que nenhum ministro com respeito por si próprio poderia aceitar esses termos”, explicou à Press Association uma fonte próxima de Javid, que confirmou as imposições de Johnson.
A saída do responsável pela pasta das Finanças – e adversário do primeiro-ministro na corrida à liderança do Partido Conservador – não era expectável, apesar dos episódios conhecidos que indicavam a existência de relações problemáticas entre as equipas dos números 10 e 11 de Downing Street.
O momento mais alto desta tensão aconteceu em Agosto, quando Dominic Cummings, o controverso conselheiro de Johnson – estratega da campanha do Leave no referendo do “Brexit” de 2016, denunciado por obstrução ao Parlamento e envolvido num caso de propagação de notícias falsas – demitiu a assessora de imprensa de Javid, Sonia Khan, sem avisar o ministro, acusando-a de ser responsável pela divulgação de informações confidenciais junto dos media.
“Sajid Javid demitiu-se para não ter de ouvir que tinha de dispensar os seus assessores e submeter-se a Dominic Cummings”, defendeu o jornalista e colunista do Financial Times, Robert Shrimsley, num texto de análise intitulado Johnson apoiou Cummings em vez de Javid – e isso terá custos.
“Boris Johnson não tinha qualquer necessidade de dispensar o seu chancellor. É uma decisão surpreendente, com efeitos caóticos, desnecessários e prejudiciais para o Governo”, considera o colunista.
Na mesma linha, o “ministro-sombra” das Finanças, do Partido Trabalhista, criticou a influência excessiva de Cummings na capacidade de manobra do executivo conservador.
“É um recorde histórico: um Governo num caos poucas semanas depois de uma eleição”, escreveu John McDonnell, no Twitter. “É óbvio que Dominic Cummings venceu a batalha pelo controlo absoluto do Tesouro e colocou o seu fantoche nas Finanças”.
Sunak promovido
O “fantoche” a que se referia McDonnell é Rishi Sunak. Aos 39 anos e com apenas cinco anos de exercício de cargos políticos – foi eleito deputado em 2015 –, o detentor do cargo de secretário-chefe do Tesouro foi o escolhido para liderar o ministério das Finanças.
Filho de imigrantes indianos, formado em Filosofia, Política e Economia em Oxford, antigo trabalhador da Goldman Sachs e co-fundador de uma empresa de investimento, Sunak é visto como uma estrela em ascensão no Partido Conservador, tendo até sido escolhido por Johnson para marcar presença num dos debates televisivos antes das eleições legislativas de Dezembro – vencidas de forma inquestionável pelos tories.
A sua primeira prova de fogo é daqui a três semanas, com a apresentação do primeiro Orçamento de Estado pós-“Brexit”, já depois do início oficial das negociações entre Londres e Bruxelas, tendo em vista um novo acordo de comércio entre o Reino Unido e os 27.
Permanências e saídas
À excepção de Sajid Javid, os pesos pesados do executivo conservador, como Dominic Raab (Negócios Estrangeiros), Priti Patel (Interior) ou Michael Gove (líder do Conselho de Ministros) viram confirmada a continuidade nos respectivos postos e compõem um Governo que assistiu a algumas promoções de secretários de Estado a ministros.
Numa remodelação bastante menos disruptiva do que a que Johnson liderou quando substituiu May, em Julho do ano passado – nessa dispensou 17 detentores de cargos ministeriais, a maioria moderados, substituindo-os pelos mais duros brexiteers –, ficaram de fora, ainda assim, alguns nomes sonantes, como Andrea Leadsom (ministra do Comércio), Geoffrey Cox (procurador-geral), Julian Smith (ministro para a Irlanda do Norte), Esther McVey (ministra da Habitação) ou Theresa Villiers (ministra do Ambiente).
O caso de Smith é o mais polémico, uma vez que o agora ex-ministro foi um dos principais responsáveis pelo sucesso do processo político que culminou na restituição de um governo na Irlanda do Norte, ao fim de três anos de bloqueio, e teve um papel decisivo na solução negociada com a República da Irlanda para a inexistência de uma fronteira física na ilha, após o “Brexit”.
“O seu afastamento não augura nada de bom para Irlanda do Norte. Mandá-lo sair numa altura em que o ‘Brexit’ vai ter um impacto enorme e a fragilidade em Stormont [parlamento norte-irlandês] é visível, mostra que o Governo não está a levar a sério as suas responsabilidades”, lamentou um funcionário do executivo de Belfast, em declarações ao Guardian.