A Câmara Municipal de Lisboa anunciou, recentemente, o plano para a Zona de Emissões Reduzidas de Lisboa (ZER) como “uma forma de viver Lisboa (...) mais amiga das pessoas”. Este plano promete diminuir a poluição e melhorar a qualidade do ar, reduzindo 60 mil toneladas de CO2, criando mais 4,6 hectares de áreas pedonais e apostando no transporte público e na mobilidade eléctrica.
Aparentemente, todos concordamos sensatamente com estes objectivos, perante desafios como as alterações climáticas ou, simplesmente, a necessidade de vivermos com maior qualidade de vida. O problema nesta equação é que a sustentabilidade e a qualidade de vida de uma cidade não se avaliam exclusivamente a partir das dimensões ambientais — implicam também as dimensões sociais, institucionais e económicas.
Perguntamos: para que pessoas a cidade se está a tornar mais amiga? Aquelas que nunca vão poder morar em Lisboa? Aquelas que foram ou serão expulsas perante a inércia dos políticos e das políticas urbanas? A minoria que ainda habita o centro? Na verdade, “o que não é dito ou fica omisso” é que o retorno principal deste “projecto histórico para a cidade” será provavelmente o aumento do investimento imobiliário e do turismo — as principais fontes de receita do município.
Por outro do lado, argumentando do ponto de vista ambiental: o que dizer de uma cidade que investiu numa estação fluvial de cruzeiros e que se prepara para sofrer os impactos de um novo aeroporto? Segundo um estudo da Zero, os navios de cruzeiro que passaram pelo capital libertaram 3,5 vezes mais óxidos de enxofre que os 375 mil automóveis que diariamente circulam em Lisboa. Relativamente ao impacto do aumento do tráfego aéreo em Portugal, estima-se que em 2050 será responsável pelo lançamento de seis milhões de toneladas de C02 na atmosfera. Mesmo do ponto de vista ambiental, a estratégia de sustentabilidade urbana para a cidade parece incoerente.
Para quem chega de avião ao aeroporto da Portela, não é visível, mas junto a este está o Bairro da Torre. Os seus moradores vivem em barracas, sem água, nem luz, sem condições. É uma ilustração de quem nem todos têm lugar nesta cidade “das grandes ambições”, onde os principais investimentos são aplicados de forma redundante num centro esvaziado e transformado num mero cenário de entretenimento.
Até a redução do preço do passe e a integração dos transportes de toda a região de Lisboa, que constituiu uma medida integradora, é cada vez mais um paliativo económico, num momento em que o preço das casas nos concelhos periféricos subiu 20%, segundo dados da Confidencial Imobiliário. Muitas pessoas terão, por isso, dificuldade em reconhecer esta nova cidade como amiga, permanecendo na invisibilidade das suas rotinas e das suas urgências não atendidas.
Enquanto perdurar este modelo de urbanismo neoliberal será impossível afirmar a sustentabilidade urbana, distribuir recursos de forma mais equilibrada, contribuir para a coesão metropolitana, ou ainda resolver as carências sociais mais prementes. Neste contexto, só quem estiver de passagem se deixará enganar pelo greenwashing, mas, como sabemos, no jogo da sedução a ilusão é um ingrediente fundamental.