Bispos portugueses apoiam referendo sobre eutanásia

A poucos dias de o Parlamento votar cinco projectos que propõem a despenalização da eutanásia, a Igreja Católica predispõe-se a apoiar um referendo sobre a matéria. É uma tentativa de suspender o processo legislativo em curso.

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Sem surpresas, a Igreja Católica decidiu apoiar a realização de um referendo sobre a eutanásia Nelson Garrido (arquivo)

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) voltou nesta terça-feira a rejeitar a possibilidade de despenalização da eutanásia. Mas, numa altura em que o Parlamento está a menos de dez dias de apreciar e votar cinco diferentes projectos de lei que definem as situações em que a antecipação da morte a pedido dos doentes deixa de ser punível por lei, a Igreja predispôs-se a apoiar um referendo sobre a matéria. 

“A opção mais digna contra a eutanásia está nos cuidados paliativos como compromisso de proximidade, respeito e cuidado da vida humana até ao seu fim natural. Nestas circunstâncias, a Conferência Episcopal acompanha e apoia as iniciativas em curso contra a despenalização da eutanásia, nomeadamente a realização de um referendo”, refere um comunicado da CEP, cujo conselho permanente se reuniu nesta terça-feira, em Fátima. “A sociedade tem de ser consultada – e o referendo é uma forma –, tem de ser ouvida sobre questões tão essenciais”, reforçou o porta-voz da CEP, o padre Manuel Barbosa, citado pela agência Ecclesia.

Sem surpresas, a Igreja Católica junta-se assim ao movimento #simavida, que, sustentando que “uma decisão tão grave e fracturante como a de despenalizar e legalizar certos casos de morte a pedido não deve ser tomada no interior dos partidos e nos corredores de São Bento”, lançou, na sexta-feira, uma recolha de assinaturas para forçar o Parlamento a aprovar a realização de um referendo de iniciativa popular sobre a matéria. Com isto, procuram suspender o processo legislativo em curso que levará, no dia 20, os deputados a votarem os cinco diferentes projectos de lei apresentados pelo PS, BE, PEV, PAN e Iniciativa Liberal.

No que toca à Igreja, a ênfase da necessidade de reforçar os cuidados paliativos em Portugal não é novidade. Em Maio de 2018, numa altura em que o Parlamento se preparava para votar os quatro projectos de lei que estavam então postos a discussão, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, chegou a defender a criação de licenças laborais que permitam aos familiares de doentes acompanhá-los na fase terminal. Então, o projecto socialista foi chumbado em votação nominal com uma escassa diferença de cinco votos. Agora, a aprovação da despenalização da eutanásia pelos deputados é dada como praticamente certa, apesar de o PSD ter, no último congresso, decidido também apoiar a realização de um referendo sobre a matéria, não obstante o líder do partido, Rui Rio, se ter declarado há muito defensor da despenalização da antecipação da morte a pedido do doente.

Aborto, take II

Na tarde desta terça-feira, 7500 pessoas tinham já assinado a petição online deste movimento #simavida, cuja proposta passa por pôr os portugueses a responder à pergunta: “Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”

Para que a proposta de referendo seja apreciada e votada na Assembleia da República são necessárias 60 mil assinaturas, mas muitos mais nomes se terão juntado entretanto a esta causa nas recolhas que, desde sexta-feira, vêm sendo feitas em “estádios de futebol, estabelecimentos prisionais, escolas e igrejas”, como declarou ao PÚBLICO Isilda Pegado, presidente da Federação Portuguesa pela Vida (FPV), uma das entidades promotoras do movimento #simavida, entre cujos mandatários se encontram nomes como o do antigo Presidente da República Ramalho Eanes, da ex-presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, do politólogo Jaime Nogueira Pinto, da ex-deputada do CDS-PP Isabel Galriça Neto, do presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, e do ex-bastonário da Ordem dos Médicos Germano de Sousa.

Se for aprovada pelos deputados, e mesmo que algum dos projectos de lei em cima da mesa seja aprovado na sequência do debate agendado para quinta-feira, a proposta de referendo de iniciativa popular deverá suspender o processo legislativo, repetindo, de algum modo, o que se passou aquando da primeira tentativa de despenalização do aborto. Em Fevereiro de 1998, já depois de o Parlamento ter aprovado a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, Marcelo Rebelo de Sousa, então líder do PSD, e António Guterres, na qualidade de primeiro-ministro, ambos católicos declarados, aliaram-se na sujeição de uma proposta de realização de um referendo.

A consulta popular viria a realizar-se em Junho do mesmo ano e o “não” ganhou. Mas, e porque apenas 32% dos eleitores foram votar, o resultado não foi considerado vinculativo. O referendo viria assim a ser repetido nove anos depois, em Fevereiro de 2007, tendo então vencido o “sim”. 

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