Joaquin Phoenix: “Tenho sido um canalha toda a vida”

Actor fez um discurso altamente politizado, e íntimo, no palco do Dolby Theatre de Los Angeles, com o Óscar de Melhor Actor na mão. A defesa do planeta e dos animais, a luta contra qualquer forma de injustiça, a evocação do irmão, River. E um mea culpa.

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Joaquin Phoenix fez um discurso emocionado, despedindo-se com uma frase do irmão Reuters/MARIO ANZUONI

Ouvimos um tímido Bong Joon-Ho citar Martin Scorsese e atirar um “I love you” a Quentin Tarantino por nunca se esquecer dos seus filmes depois de ganhar o Óscar de Melhor Realizador pelo seu Parasitas. Ouvimos Brad Pitt, com a voz embargada, falar de Hollywood como a terra dos sonhos dedicando o prémio de Melhor Actor Secundário aos filhos (é a primeira vez que a Academia de Ciências Cinematográficas reconhece o seu mérito como intérprete). E ouvimos Laura Dern, de lágrimas nos olhos, dizer que os heróis da sua vida foram os pais. Mas, se houvesse um prémio para o discurso mais emocionante da noite, provavelmente ele iria direitinho para Joaquin Phoenix, que, sem surpresas, subiu ao palco para receber a estatueta dourada reservada ao Melhor Actor Principal pelo seu inesquecível Joker.

Com uma temporada de prémios perfeita que lhe valeu, por exemplo, um Globo de Ouro e um BAFTA, Phoenix, resolveu fazer uma espécie de best of dos seus discursos de aceitação da colheita 2019-2020 na noite deste domingo (madrugada em Portugal) no Dolby Theatre de Los Angeles.

O actor de 45 anos que nos habituou a vê-lo vestir a pele de personagens sombrias, complexas, atormentadas, voltou a aproveitar o tempo de antena que o seu trabalho no filme realizado por Todd Phillips lhe tem dado para advogar por algumas das causas que lhe são caras, desde a preservação do planeta à necessidade de garantir que há mais diversidade de género ou de raça na indústria do cinema.

“Quer estejamos a falar de desigualdade de género ou de racismo, de direitos queer ou de direitos dos povos indígenas e dos animais, é sempre da luta contra a injustiça que se trata. Estamos a falar da luta contra a crença de que uma nação, um povo, uma raça, um género, uma espécie tem o direito de dominar, usar e controlar outra com impunidade”, disse o protagonista de Joker, num discurso que, sendo altamente politizado, teve também espaço para um certo intimismo nascido de uma certa auto-análise. “Tenho sido um canalha toda a vida, tenho sido egoísta. Tenho sido por vezes cruel, difícil no trabalho, e sinto-me grato porque muitos dos que estão nesta sala me deram uma segunda oportunidade. Acho que é aí que estamos no nosso melhor: quando nos apoiamos uns aos outros. Não quando nos recriminamos pelos nossos erros do passado, mas quando nos ajudamos a crescer. Quando nos educamos uns aos outros, quando nos levamos uns aos outros à redenção.”

Momentos antes, o actor que a Academia já nomeara por filmes como Gladiador, Walk the Line ou O Mentor, reconhecido activista ambiental e vegan desde os três anos, lembrou que as pessoas estão cada vez mais desligadas do mundo natural, evocando de forma contundente os direitos dos animais: “Sentimo-nos no direito de inseminar uma vaca artificialmente e tirar-lhe o seu bebé, apesar dos seus berros de angústia inconfundíveis. Depois pegamos no leite que estava destinado à cria e pomo-lo no nosso café e nos nossos cereais.”

Na despedida, o actor que deu corpo ao vilão de Gotham City, ao deprimido e vulnerável Arthur Fleck, um aspirante a comediante, evocou o também o actor River Phoenix, o irmão que morreu com uma overdose em 1993, à porta da discoteca The Viper Room, na Califórnia, quando tinha apenas 23 anos. “Aos 17, o meu irmão escreveu uma letra para uma canção. Dizia: ‘Corre para a salvação com amor e a paz virá’.” E abandonou o palco.

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