Portugueses repatriados de Wuhan podem ficar isolados em espaço com “conforto e tranquilidade”
Rastreados à partida e à chegada, os portugueses que vão ser repatriados da cidade chinesa onde começou o surto do novo coronavírus e que devem chegar a Portugal no sábado de manhã não ficarão “presos”, garante a directora-geral da Saúde.
Os portugueses que vão ser repatriados de Wuhan, a cidade chinesa no epicentro do surto do novo coronavírus, terão à chegada à sua disposição instalações para ficarem isolados “com conforto e tranquilidade”, se assim o entenderem, adianta a directora-geral da Saúde, Graça Freitas. “Isso está a ser equacionado porque houve portugueses que terão manifestado o receio, ao voltar a casa e se eventualmente viessem contagiados, de transmitirem [o vírus] à família. Se chegarem com esse receio, terão instalações para os acolher com conforto e tranquilidade”, justifica Graça Freitas.
Mas os cidadãos nacionais não ficarão “presos”, garante. Sem especificar se este espaço de isolamento ficará localizado em hospitais, a directora-geral faz questão de sublinhar que “a probabilidade de eles virem infectados é ínfima”, até porque já estão há vários dias numa espécie de “quarentena forçada” em Wuhan, a cidade de 11 milhões de habitantes cujas fronteiras áreas, ferroviárias e terrestres foram encerradas pelo Governo chinês na tentativa de conter o surto do novo coronavírus.
Serão 17 os cidadãos a ser retirados de Wuhan, segundo Luís Estanislau, um dos portugueses ali retidos, que assevera que o ambiente no grupo é “supercalmo”. A chegada dos portugueses ao aeroporto de Figo Maduro (Lisboa), segundo soube o PÚBLICO, está prevista para sábado de manhã, mas oficialmente o Governo não quis adiantar detalhes sobre a operação de repatriamento, alegando que é muito complexa e deve estar rodeada de absoluta discrição.
Não deverá ser, porém, por causa destes portugueses que o coronavírus se irá espalhar no país. A aguardar estes passageiros estarão à partida e à chegada equipas de profissionais de saúde que os vão rastrear. Se apresentarem sintomas de infecção à chegada, os três hospitais de referência em Portugal para acolher estes casos, o Curry Cabral e o D. Estefânia (em Lisboa) e o S. João (no Porto), terão quartos de isolamento com pressão negativa (com sistema de ventilação que não permite que o ar saia) onde podem permanecer até se perceber se estão ou não doentes, após análises feitas no Instituto de Saúde Ricardo Jorge. O internamento nestes hospitais está reservado apenas para pessoas com suspeita de infecção ou já doentes.
Quinta-feira de manhã, ainda a aguardar as instruções da Direcção-Geral da Saúde (DGS), o director do serviço de doenças infecciosas do hospital Curry Cabral, Fernando Maltez, enfatizava que não havia motivos para grandes preocupações, pelo menos por enquanto. Se surgir entretanto algum caso suspeito de infecção pelo novo coronavírus na comunidade, “naturalmente será internado no serviço”, é isso que está previsto nas normas e nos protocolos, lembra. Foi o que aconteceu, aliás já com um caso suspeito que acabou por se revelar negativo.
Os circuitos montados para dar resposta aos casos suspeitos de contágio com o novo coronavírus nem sequer são novos. “Já tinham sido activados com a SARS [síndrome respiratória aguda grave] em 2003 e 2004, com a gripe A em 2009, com o ébola em 2014 e 2015. E são periodicamente revistos e actualizados de acordo com a patologia em causa. Naturalmente há aspectos que vão variando”, explica Fernando Maltez.
Com 14 quartos de pressão negativa, alguns dos quais ocupados com doentes com outras patologias como a tuberculose, no Curry Cabral será ainda possível “isolar e fechar um pavilhão”, se tal se revelar necessário, acrescenta o médico. Mas nada indica, por enquanto, que se irá chegar a essa fase, diz.
No Porto, o Hospital de S. João tem a capacidade de colocar em quartos de pressão negativa em simultâneo 15 pessoas, ainda que nem todos em quartos individuais, revela Carlos Lima Alves, coordenador da Unidade de Prevenção e Controlo de Infecção, que acentua igualmente que os circuitos internos para resposta a ameaças deste tipo já existiam e foram agora adaptados. Nesta “fase ainda inicial e em que há muito desconhecimento”, os recursos irão sendo mobilizados consoante as necessidades. “A DGS escalará o tipo de medidas de intervenção necessárias e nós teremos que acompanhar o processo, recrutando mais recursos”, afirma.
Mas esta é apenas uma pequena parte da resposta pensada para o caso de a situação se complicar e começarem a aparecer muitos casos suspeitos e muitos doentes. O médico estabelece, a propósito, um paralelo com a prevenção e o treino para o combate aos incêndios florestais para ilustrar a a necessidade de manter estes circuitos sempre bem oleados. “É um pouco como acontece com os incêndios. Precisamos de ter capacidade de mobilização, de um maior estado de prontidão para poder assegurar uma resposta musculada [em caso de crise]. E isto exige um esforço continuado para exercitar a capacidade de resposta em ameaças deste tipo, mesmo que este esforço não seja sempre rentabilizado”, defende.