Autarca de Santa Cruz da Graciosa pode perder mandato por transferência para associação gerida pelo filho

O relatório da inspecção revela também acusações de pagamentos de despesas “em duplicado” e “em proveito próprio” por parte do presidente do município.

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A autarquia em causa é a de Santa Cruz da Graciosa, nos Açores. Paulo Pimenta

O presidente da Câmara de Santa Cruz da Graciosa, Manuel Avelar, poderá vir a perder o mandato por ter transferido dinheiro para uma associação cultural gerida pelo filho e por dois autarcas, segundo a Inspecção da Administração Pública açoriana.

Em causa está a transferência, por parte da autarquia presidida pelo socialista, de uma verba de 180 mil euros, durante o ano de 2018, para a Associação de Promoção e Desenvolvimento da Ilha Branca (Prodib), responsável pela realização de diversos eventos culturais no concelho, gerida por dois vereadores do município (António Lourenço e Carlos Picanço) e ainda pelo filho do presidente da Câmara (Tiago Avelar Santos).

“Estas situações são susceptíveis de fundamentar a sanção perda de mandato dos eleitos locais Manuel Avelar Cunha dos Santos e Carlos Alberto Verga Picanço”, refere um relatório da Inspecção Regional da Administração Pública, com data de Dezembro de 2019, a que a Lusa teve acesso.

“As deliberações camarárias associadas à atribuição destes subsídios traduziram-se na inobservância de diversos princípios constitucionais e normas legais, como sejam os princípios da transparência e imparcialidade”, adianta o mesmo relatório, acrescentando que “a actuação de vários membros da Câmara Municipal é ainda susceptível de ter violado o regime legal de incompatibilidades e impedimentos”.

Segundo a Inspecção Regional da Administração Pública, a atribuição daqueles subsídios à Prodib foram aprovados em reunião da Câmara de Santa Cruz da Graciosa, com os votos favoráveis de Manuel Avelar, pai de Tiago Avelar Santos, que é secretário da direcção daquela associação, e também com os votos favoráveis do vereador Carlos Alberto Picanço, que é tesoureiro na própria Prodib.

Confrontado pela Lusa com estas acusações, Manuel Avelar minimizou as alegadas irregularidades, adiantando que a autarquia vai realizar uma reunião extraordinária “para alterar os procedimentos”. O autarca está convicto de que “tudo há-de correr da melhor forma”.

“Vamos anular as decisões tomadas [...]. São tudo coisas que se conseguem ultrapassar pela lei. São actos administrativos que se tornam nulos e que se podem voltar a fazer”, justificou o autarca socialista, afirmando esperar também que “as inspecções tenham um carácter pedagógico”, ou seja, “o que não está bem deve ser melhorado e cumprido”.

O relatório desta inspecção - que foi agora remetido à Câmara de Santa Cruz da Graciosa para que os visados possam, num prazo de 30 dias, apresentar por escrito as suas alegações - revela também a existência de diversas “irregularidades” na gestão da autarquia, que incluem acusações de pagamentos de despesas “em duplicado” e “em proveito próprio” por parte do presidente do município.

“Os trabalhos realizados permitiram concluir que houve pagamento de refeições pelo fundo de maneio, no âmbito de deslocações efectuadas pelo presidente da Câmara Municipal, e simultaneamente haviam sido processadas ajudas de custo”, indica o documento, acrescentando que algumas dessas despesas não revelavam, de forma clara, o interesse público da sua realização.

“É uma interpretação deles, que está mais do que rebatida”, esclareceu Manuel Avelar, sublinhando possuir “facturas” de todas essas despesas, e estar “muito à vontade” e de consciência tranquila em relação a esta matéria.

A Inspecção Regional da Administração Pública denuncia também que o presidente da Câmara de Santa Cruz não aplicou a redução remuneratória de 5% sobre o seu vencimento durante o ano de 2018, auferindo cerca de 1.800 euros a mais do que o devido, situação que poderá obrigar Manuel Avelar a repor o dinheiro aos cofres do município.