Crianças e divórcio – um olhar para além do tribunal

O juiz deve ser capaz de conhecer a situação real de cada criança e dos seus familiares. Para isso, é importante que o seu trabalho se apoie numa assessoria técnica de outras áreas disciplinares.

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Paulo Pimenta

É preciso que se divulguem e discutam as práticas que vêm sendo realizadas pelas assessorias aos tribunais, reguladas pela Lei n.º 141/2015 (1), que são centradas no contexto da família e baseadas num modelo de fortalecimento das suas competências, interdisciplinar e promotor de uma justiça restaurativa na jurisdição da família e das crianças.

Salvo as situações em “que, sem a intervenção do tribunal, as crianças ficam desprotegidas e submetidas à lei do progenitor mais ‘forte’ (Sampaio, 2014, p.49), na generalidade das situações de divórcio ou separação de casais com filhos, deveria evitar-se que estes dependessem dos tribunais e dos juízes para decidir as suas vidas. Mas, quando existe a necessidade da intervenção de um tribunal, deve garantir-se que o juiz “sabe que, se o conflito for apaziguado, o processo decorrerá melhor e as crianças menos afetadas no seu desenvolvimento” (Sampaio, 2014, p. 87), que conhece de perto os problemas que estão na sua origem e nos seus efeitos, e que intervém de forma célere, reconhecendo que as suas deliberações são essenciais para a vida das crianças.

O juiz deve ser capaz de conhecer a situação real de cada criança e dos seus familiares. Para isso, é importante que o seu trabalho se apoie numa assessoria técnica de outras áreas disciplinares, como o serviço social e a psicologia, que o ajude a compreender a complexidade da vida das famílias e decidir, protegendo as crianças. Estes juízes não devem “desistir, por atitude e por dever, de quebrar as grades deste castelo e serão os protagonistas da luta, necessária e urgente, pela defesa dos direitos dos filhos do divórcio” (Sampaio, 2014, p.88).

Existem em Portugal exemplos disso. No Juízo de Família e Menores de Mafra, o juiz Joaquim Silva tem intervindo, dando a palavra e ouvindo as famílias (pais, mães e filhos), a família alargada (avós, tios, primos), os amigos e os profissionais relacionados com a vida da família (educadores, professores, pediatras…). Como o próprio refere: “É uma justiça transformativa que, em vez de levar estes casos à sala de audiências para proferir uma decisão, passa por fazer este trabalho com os pais, a escola e a comunidade, que acaba por os transformar e recuperar a família da criança na parentalidade” (Silva, 2018). Para isso, valoriza a interdisciplinaridade e uma intervenção em contexto, mencionando que “precisamos de desocupar os técnicos para estarem no terreno para resolver problemas; precisamos de sair dos tribunais, precisamos de perceber como gerir os meios que temos para ficarmos mais próximos, como é que articulamos a autoridade do tribunal com as terapias” (Silva, 2019). No Juízo de Família e Menores de Mafra, a assessoria tem trabalhado próximo das crianças e da sua família (pai, mãe e família alargada) e dos profissionais que intervêm no caso, assumindo-se como gestor de família, para a transformação construtiva das competências parentais.

O juiz Pedro Figueiredo (2018, p.87), que exerceu funções no Juízo de Família e Menores de Coimbra, referiu também que “a experiência tem mostrado (...) que a regulação das responsabilidades parentais ocorre em contextos de autêntica desregulação de sentimentos e afetos, mais do que uma resposta jurídica, ditada na secura e objetividade de uma sentença, os utentes da justiça necessitam de um autêntico trabalho terapêutico, que não dispensa o recurso a assessorias técnicas especializadas, num quadro de interdisciplinaridade, e a um diálogo tão profícuo quanto possível com as várias entidades envolvidas na vida das crianças e jovens (...)”.

No mesmo sentido, António Fialho (2014), do Juízo de Família e Menores do Barreiro escreveu que “a avaliação multidisciplinar (ou transdisciplinar) (…) É uma necessidade reconhecida por todos (...) exigindo uma avaliação da situação da família e de todos os membros que a compõem (em especial as crianças ou jovens), a ligação afetiva entre os seus membros, numa perspetiva sistémica, nomeadamente das suas competências, do meio, do tipo de família, da avaliação e definição de prioridades e necessidades da família quanto a objetivos e apoios, face aos recursos disponíveis, dos sentimento de competência e de valor dos cuidadores, da sua disponibilidade e empenhamento na resolução da situação, por forma a ajuizar da necessidade e aplicação da medida mais adequada, podendo, inclusive, sugerir o tipo de intervenção, num verdadeiro processo de co-decisão” (p. 24).

De acordo, com a nossa evidência empírica, todas as famílias possuem ou podem ser ajudadas a ter competências para resolverem os problemas do seu dia-a-dia. Competências que devem ser valorizadas com o apoio da assessoria, assumindo-as como recursos essenciais para a mudança e resolução positiva dos seus conflitos. Para isso, é preciso confiar o poder de decisão às famílias, reforçando-as na sua iniciativa e autonomia na gestão da vida, ao contrário de se ficar apenas na crítica e penalização pelos seus pontos fracos.

1. Lei n.º 141/2015 de 8 de Setembro, Artigo 22.º

A autora segue o novo acordo ortográfico

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