Governo disponível para continuar a negociar orçamento
Jorge Pires, do PCP, disse nesta quinta-feira que “não há qualquer negociação” em matéria de Orçamento do Estado para 2020 entre comunistas e Governo. Executivo discorda: “Há disponibilidade para conversar até chegar a um entendimento”.
O PCP não gostou de ouvir Marcelo Rebelo de Sousa dizer que é natural que seja a esquerda a aprovar o Orçamento do Estado (OE) para 2020. Nesta quinta-feira, ao comentar a mensagem de Natal do primeiro-ministro, o dirigente comunista Jorge Pires deixou claro que o PCP não está amarrado a qualquer compromisso com o Governo. E acrescentou: "não há qualquer negociação” do OE 2020. Em declarações ao PÚBLICO, Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, discorda: “O diálogo está a decorrer e há disponibilidade para conversar até chegar a um entendimento”.
Já antes, quando foram recebidos em Belém para falar sobre OE, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins haviam comentado de forma crítica o processo de elaboração do documento. “O Governo não se está a comprometer connosco”, disse o comunista. Já a bloquista acrescentou que o executivo entregou a proposta de OE “como se tivesse maioria absoluta, ou seja, não reflectindo no documento uma negociação”.
Agora, Duarte Cordeiro esclarece que o documento que foi entregue a 16 de Dezembro no Parlamento é resultado de várias conversas — umas mais concretas do que outras, envolvendo até os líderes do PS, do PCP e do BE — nas quais “os partidos estabeleceram os seus objectivos políticos e prioridades”. Por partidos entendam-se todos os que, nos últimos quatro anos, fizeram parte da solução governativa, e ainda o PAN e o Livre.
“Têm sido conversas contínuas”, diz o secretário de Estado do Assuntos Parlamentares. “É natural que algumas propostas não estejam na sua formulação final, mas quisemos sinalizar que pode haver aprofundamento na especialidade”.
Entre os sinais que o executivo acredita ter dado está a autorização legislativa para reduzir o IVA da electricidade em função dos escalões de consumo (que não era exactamente a proposta inicial dos partidos); a norma programática que sinaliza a disponibilidade para aumentar as pensões mais baixas (que pode resultar em aumentos extraordinários como aconteceu em anos anteriores, apesar de não ser isso que está lá escrito); ou a eliminação dos dependentes da fórmula de cálculo do Complemento Solidário para Idosos (Governo avança com proposta intermédia que retira os dependentes do cálculo para o primeiro escalão do apoio).
“São três exemplos claros de matérias que não estavam no programa do PS nem do Governo e que resultam das conversas com os partidos”, revela Duarte Cordeiro. “Só foram possíveis porque as conversas existiram”. Também os milhões de euros que vão reforçar o orçamento da Saúde ou as propostas para combater a especulação imobiliária são apresentados pelo Governo como uma “resposta aos desafios dos partidos”.
Há ainda matérias em que se tratou de consolidar compromissos genéricos assumidos anteriormente, como é o caso das taxas moderadoras. “A ideia é ir eliminando gradualmente as taxas moderadoras [como propõe a esquerda], dando continuidade a uma proposta que vinha do passado”, explica o governante.
O mesmo acontece na área dos transportes com o segundo programa agora lançado, o qual visa consolidar o Programa de Apoio à Redução do Tarifário dos Transportes em vigor desde 2018. “Em 2020, a prioridade será reforçar a oferta ao nível das Comunidades Intermunicipais, para não serem só as áreas metropolitanas as beneficiárias”.
“Na nossa leitura, este é um orçamento em que não há recuos, que consolida matérias que vêm de trás e que dá sinais sobre aspectos novos”, assume Duarte Cordeiro, lembrando que nos processos de negociação do orçamento sempre “houve contranegociação” e “propostas passíveis de alteração”. “É uma dialéctica muito viva”, defende. E deixa o exemplo de uma matéria que o Governo admite ainda não estar madura: a discriminação positiva dos trabalhadores por turnos nas regras de acesso à reforma ou ao nível do descanso. “Para nós, não é uma negação desse caminho, é a constatação de que é preciso estudá-lo melhor”.
Há também temas, como o regime do residente não habitual, que ficaram de fora do OE apesar de terem sido referidos pelos partidos.
Este orçamento, explica o governante, não foi elaborado na óptica de conter já tudo, mas antes numa lógica de work in progress. “A nossa ideia foi responder e dar sinais em relação às matérias para as quais temos disponibilidade de continuar a negociar”. Duarte Cordeiro mantêm-se optimista: “Não vejo nenhuma razão para não conseguirmos aprovar o OE.”