Saúde, a nova “paixão” de António Costa
António Costa elegeu o sector para a sua mensagem de Natal porque sabe desta fortíssima ligação dos portugueses ao seu SNS, mas também porque quis mostrar a determinação do Governo em superar os constrangimentos que o afectam.
As mensagens de Natal dos primeiros-ministros são sempre excelentes barómetros para avaliarmos o estado da política em geral e as preocupações dos governos em particular. Ao longo dos anos já tivemos juramentos comprometidos ou promessas exaltadas com a pobreza, a educação, o combate à desigualdade ou o expurgo da austeridade, e neste Natal tivemos a Saúde. Não há que estranhar esta adoração de António Costa pelo Serviço Nacional de Saúde – a degradação dos serviços, os fechos de urgências, as demissões de directores de serviços tornaram-se uma rotina nos últimos meses e foram o principal foco do debate político nas últimas eleições. Mas há nesta preocupação do Governo uma clara sintonia com as expectativas dos cidadãos: a defesa da qualidade dos cuidados públicos da Saúde constitui hoje um dos principais elos de consenso na sociedade portuguesa.
Quando, num inquérito internacional, mais de metade dos portugueses admite pagar mais impostos se essa for a condição para que o nível de prestação de serviços melhore, fica quase tudo dito. Os cidadãos sabem que a rede pública de protecção do SNS funciona, sabem que o Estado providencial existe para os acudir em momentos mais dramáticos e, independentemente da ideologia ou da política conjuntural, acreditam que os hospitais e os centros de saúde são lugares onde podem resolver os seus problemas e cuidar das suas fragilidades circunstanciais. Depois, sabem também, por experiência própria ou por relatos que chegam de fora, que o nível de eficiência e de qualidade do SNS é de classe internacional – ainda recentemente a OCDE dava conta dessa realidade, mesmo que conquistada através de um investimento nominal muito inferior ao da média da organização.
António Costa elegeu o sector para a sua mensagem de Natal porque sabe desta fortíssima ligação dos portugueses ao seu SNS, mas também porque quis mostrar a determinação do Governo em superar os constrangimentos que o afectam. O seu discurso tem uma faceta de auto-estima e de propaganda que se percebe, com milhões de euros, milhares de médicos ou centenas de novas camas no rol. Felizmente, evitou a demagogia, ao reconhecer que a injecção de mais dinheiro para acabar com a suborçamentação crónica não basta para resolver todos os problemas e que é preciso fazer “mais e melhor”. De resto, falar da sustentabilidade do serviço, ou do absurdo de afastar a gestão privada que o Tribunal de Contas insiste em reconhecer como positiva, não faria muito sentido na quadra. Faz sentido sim o apelo para que o SNS continue a ser, “cada vez mais, um motivo de orgulho nacional”.