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Os capitães do tempo livre

O Exército tem hoje metade dos efectivos que tinha em 2002 por duas razões principais, que acabam por se conjugar: é cada vez mais difícil recrutar e é cada vez mais difícil reter os militares contratados.

Nas décadas que se seguiram ao 25 de Abril só cumpriu o Serviço Militar Obrigatório quem não lhe conseguiu escapar: jovens de formação indiferenciada e sem acesso a cunha administrativa e um contingente de milicianos com experiência universitária para alimentar o número de efectivos exigido pelos compromissos com a NATO.

O quartel, a linguagem castrense e toda a coreografia militar baseada num jogo de poder hierárquico a roçar a humilhação, herdado de uma tradição de séculos, terá hoje mais a ver com a ficção de um videojogo do que com a realidade de um jovem em início de carreira. Pese embora a adaptação das casernas às mulheres e à participação dos militares portugueses em cenários de guerra como o da Bósnia ou da República Centro Africana, a instituição envelheceu a vários níveis. 

O ramo onde isso é mais evidente é o Exército. A sua imagem não é muito positiva entre os civis, por causa dos excessos com que transforma uma formação numa praxe mortal e da negligência com que lida com os seus paióis. E não é de somenos que o seu orçamento tenha vindo a diminuir aceleradamente e que há anos se defronte com problemas surgidos da passagem do serviço obrigatório à profissionalização.

O Exército tem hoje metade dos efectivos que tinha em 2002 por duas razões principais, que acabam por se conjugar: é cada vez mais difícil recrutar e é cada vez mais difícil reter os militares contratados, porque é uma profissão precária, pouco compensadora financeiramente, que não assegura transição para um emprego civil e porque, convenhamos, existem tarefas mais estimulantes para fazer do que viver nesse microcosmos cloroformizado que é um quartel português no século XXI. 

O resultado, para o qual não existirá solução óbvia nos próximos anos, é relativamente cómico: há capitães que não têm quem comandar por não existirem praças em número suficiente para serem comandadas. O Exército tem razões para exigir do Governo uma atitude mais consentânea com a sua importância e pergaminhos.

O que a instituição tem para pagar em salários é menos 5,23% do que a Assembleia da República aprovou para 2019, quando o Estado assumiu um aumento geral de 3,2% na função pública, e ainda vai ter de pagar às Finanças pelos espaços que ocupa, por ter perdido a isenção que o Estado manteve para escolas, tribunais, hospitais, prisões ou edifícios cedidos à Igreja no âmbito da Concordata. Ainda não é desta que o Exército terá as 4100 praças e os capitães um trabalho a tempo inteiro.

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