Morreu Emanuel Ungaro, o designer de moda que detestava a normalidade e adorava a cor
Francês filho de pais italianos, o designer de moda foi responsável por definir novos caminhos para a alta-costura nas décadas de 1960 e 1970. Pertencendo à mesma geração de Valentino e Karl Lagerfeld, dizia-se obcecado pela sensualidade. “Detesto a normalidade e adoro a cor”, dizia o criador. Reformado desde 2005, morreu este sábado, aos 86 anos.
Foi um homem que revolucionou o seu presente, definindo novos caminhos para a alta-costura enquanto membro da geração de Valentino, Karl Lagerfeld ou Oscar de la Renta. Era um homem que se dizia obcecado com a sensualidade – “não se deve usar um vestido, deve-se viver nele” – e que, com bata branca vestida, trabalhava como artesão. Em fundo, uma banda-sonora de ópera e música clássica. O homem que revolucionou o seu presente, o das décadas de 1960 e 1970, reformou-se em 2005 declarando que o mundo da alta-costura já não correspondia “às expectativas das mulheres de hoje”. Emanuel Ungaro, nome maior do design de moda do século XX, morreu este sábado aos 86 anos. A notícia foi confirmada pela família à AFP. As causas da morte não foram reveladas.
Filho de um alfaiate italiano que, fugido ao fascismo de Mussolini, se refugiou em França, Ungaro nasceu em Aix-en-Provence em 1933. Segundo entre seis filhos, teve no pai o seu primeiro grande mestre – uma máquina de costura foi uma das primeiras prendas que recebeu. O segundo e decisivo mestre encontrou-o em Paris, a cidade para onde se mudara aos 23 anos. Foi enquanto assistente de Cristobal Balenciaga e, depois, de André Courrèges, que criou as fundações do seu influente trabalho posterior. A revelação, depois de maturar longamente a sua linguagem estética, chegou em 1965. Emancipação decisiva: foi naquele ano que, com o apoio da artista suíça Sonja Knapp e de Elena Bruna Fassio, inaugurou na capital francesa a casa com o seu nome. No site da Emanuel Ungaro, é recordado como alguém que “ousou ser diferente, combinando colisões inesperadas, mas sensuais, de cores brilhantes e estampados com belos adereços”.
O criador que sempre recusou usar top-models nos seus desfiles, por que considerar que a sua presença “roubava o espectáculo”, desviando a atenção das roupas, como afirmou em conversa com o PÚBLICO em 2007, vestiu estrelas do cinema como Gena Rowlands, Catherine Deneuve, Isabelle Adjani ou Anouk Aimée. Ao mesmo tempo, procurava a proximidade às cidadãs e cidadãos comuns, à vida que pulsava nas ruas. Tão cedo quanto 1968 criou, em paralelo à linha de alta-costura, uma de pronto-a-vestir feminina – poucos anos depois, alargou-a ao universo masculino.
“Detesto a normalidade e adoro a cor”, declarava ao PÚBLICO na entrevista supracitada, realizada no âmbito da sua presença no European Film Festival, onde apresentou uma masterclass. Foi nela que explicou que as suas criações eram, também, emanações daquilo que outras artes lhe sugeriam e inspiravam. “Tentei insuflar no meu trabalho todas as emoções que a música me transmite. Jamais trabalhei sem a poesia, sem a pintura”. Para ele, e tal como aprendera com Balenciaga, “a moda é uma arquitectura em movimento”. O seu sonho, costumava contar, era levar para as suas criações os ritmos e harmonias dos quartetos de cordas de Beethoven.
Há doze anos, dois passados então desde a reforma, prenunciava a morte da alta-costura e fazia-o sem dramatismo. “Tenho a sensação que dentro de anos não teremos moda, teremos coisas, roupas, mais baratas e com qualidade”. A sua função, dizia então o homem que construiu um império que se expandiu para incluir linhas de perfume, de óculos ou calçado, passava por fazer com outros o mesmo que Balenciaga e Courrèges haviam feito consigo. O jovem aprendiz tornara-se mestre e, agora, enquanto velho mestre, cumpria-lhe passar o seu saber a novos artesãos. É o que terá feito até ao fim. Discretamente, como era o tom deste grande nome do design de moda que sempre se mostrou um homem reservado. Cita-o o obituário do La Vanguardia: “A vida privada não tem qualquer relação com o trabalho, que é meu e isso é tudo”.