A burocracia não faz bem a ninguém
As contribuições e contrapartidas dos imigrantes para a Segurança Social são superiores ao que o sistema gasta com esta população estrangeira. Ironicamente, são eles quem mais contribui para que o SEF seja “maioritariamente sustentável”.
O país tem tudo a ganhar com a imigração e tudo a perder com a perpetuação da burocracia que impede a regularização justa de quem tem direito a ela. O Livro Branco que o Serviço Jesuíta aos Refugiados publica esta quinta-feira, Dia Internacional do Migrante, corrobora o que estudos coordenados na década de 1990 por Roberto Carneiro já tinham concluído: as contribuições e contrapartidas dos imigrantes para a Segurança Social são superiores ao que o sistema gasta com esta população estrangeira.
Ironicamente, são os imigrantes quem mais contribui para que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) seja “maioritariamente sustentável” e que explicam que as transferências deste para o Ministério da Administração Interna atinjam os 14%. A realidade, porém, é muito diferente. O SEF não tem os meios necessários para uma resposta célere às solicitações. O reparo vem dos próprios serviços, das associações de apoio aos imigrantes e agora também do Serviço Jesuíta aos Refugiados, que não hesita em classificar o SEF como o “maior e mais grave obstáculo à integração de migrantes”.
O que isso tem originado é uma experiência kafkiana neste serviço público, no que implica de atrasos, de dificuldade de marcação de agendamentos (superior a um ano em certos casos) e da suspensão dos mesmos, que torna a obtenção de uma autorização de residência um verdadeiro calvário. E sem essa autorização recusa-se o exercício da cidadania na plenitude, porque se recusa o acesso à saúde, à protecção social ou a outros direitos fundamentais e, indirectamente, ao arrendamento de casa ou a uma simples conta bancária.
O pior é que a burocracia é extensiva à Segurança Social, uma vez que o sistema exige documentos que ultrapassam as suas competências, como é o caso da exigência de um visto para Portugal, quando a entrada no espaço Schengen seria legalmente suficiente, entre outros requisitos da lenta máquina estatal. Se há serviço a necessitar de uma profunda desburocratização, é este, seja através do processamento informático das renovações da autorização de residência temporária, seja através da simples extensão do período de validade da primeira autorização concedida, como recomenda o Livro Branco. O mesmo Estado que cobra impostos e exige descontos não pode ignorar as condições em que vivem contribuintes que só estão em situação irregular devido à sua burocracia instituída. O mesmo Estado que se deu ao luxo de pagar eleições legislativas e europeias de 2019 com o dinheiro que cobrou pelas autorizações legais de residência aos imigrantes.