Os novos desafios da Europa
Menos desigualdade, mais democracia, eis os grandes desafios da União Europeia.
A nova Comissão Europeia presidida por Ursula von der Leyen apresentou as prioridades para o seu mandato e anunciou já, para 2020-2022, uma nova conferência sobre o futuro da Europa. Mas quais os novos desafios que Europa enfrenta? Muitos, novos e velhos, internos e internacionais. Na minha opinião, dois, fundamentais: a desigualdade e a democracia. Um de natureza económica, outro de natureza política, mas ambos fundamentais para o destino do projecto europeu.
No plano económico, a Europa descobriu durante a crise do Euro quão frágil era a sua União Económica e Monetária. Quer no que respeita às regras que governam o Euro, quer no que respeita aos mecanismos para estimular a convergência económica e a coesão social entre Estados-membros. De então para cá, a União Europeia deu passos sólidos e no sentido certo para aperfeiçoar a governance do Euro (o Mecanismo de Estabilidade Europeu; a União Bancária; ou as regras de controlo orçamental), mas o crescimento económico é, ainda, frágil e a União Económica e Monetária está longe de estar completa. É preciso completá-la. E é por isso que a União Europeia continua centrada nesses dois desafios: a disciplina orçamental, por um lado, e o crescimento económico, por outro.
Mas, hoje, talvez já não sejam estes os desafios fundamentais. É que para além destes que têm sido a obsessão europeia, há um terceiro tão ou mais importante, até agora esquecido, senão ignorado: a desigualdade, ou melhor, o combate à desigualdade. Num quadro de globalização desregulada, a desigualdade está a crescer em todo o mundo. E também na Europa. Ora, a questão da desigualdade será um desafio fundamental para o futuro da União Europeia. E não só em termos económicos e sociais, mas também no campo político. Porque sabemos desde os trabalhos pioneiros de Seymour Lipset quão importante é a igualdade (de rendimento e de oportunidades) para a legitimidade da democracia.
No plano político, depois das últimas eleições europeias, os partidos nacionalistas, populistas e eurocépticos estão em minoria no Parlamento Europeu. Mas os partidos mainstream, pró-europeus, estão longe de terem uma maioria confortável e, mais do que isso, as famílias políticas estão mais divididas. A nova Comissão está agora em funções, mas no plano intergovernamental, a relação franco-alemã, verdadeiro motor da integração europeia, não atravessa os seus melhores dias. E se antes havia uma Alemanha forte sem França, agora parece haver uma França mais forte sem Alemanha. Ora, se a tudo isto se acrescentar o “Brexit”, é fácil antever que os desafios serão difíceis.
Mas, uma vez mais, talvez não sejam estes os fundamentais. No plano político, o desafio fundamental para o futuro da União Europeia é o da democracia. Em todo o mundo, mas na Europa em particular, as democracias enfrentam uma crise de representação política. As populações não se sentem representadas pelas instituições tradicionais: partidos e sindicatos. Basta olhar para o colapso de vários sistemas de partidos pela Europa fora, ou para os “coletes amarelos” e os protestos de massa que tomaram as ruas em todo o mundo. Por outro lado, as populações não sentem que os governos respondam às suas necessidades e, mais do que isso, às suas ansiedades e aos seus medos. E esse é o terreno em que crescem os populismos e triunfam as soluções iliberais.
Ora, se isto é verdade, em geral, é mais verdade ainda na União Europeia. E porquê? Porque o sistema político europeu foi desenhado para governar e não para representar. Desde Maastricht até hoje, cada vez mais competências e áreas de decisão política foram transferidas dos Estados-membros para a União. Mas sem os respectivos mecanismos de controlo democrático. As eleições para o Parlamento Europeu continuam a ser vistas como eleições de segunda ordem e a verdadeira representação política continua a residir ao nível nacional. Quer isto dizer, que o poder está Bruxelas, mas a legitimidade política e a responsabilização democrática continua nas capitais nacionais. Isto é, quem tem legitimidade não tem poder. E quem tem poder não tem legitimidade.
É aí, no fundo, que reside a crise de representação política e a essência do défice democrático. Quer isto dizer que a prioridade europeia deve estar não tanto nas soluções tecnocráticas de governo, mas nas soluções democráticas de representação e participação dos cidadãos. Menos desigualdade, mais democracia, eis os grandes desafios da União Europeia.