A emergência climática não é de todos
Há uma discrepância indisfarçável entre aquilo que os governos estão dispostos a fazer e a gravidade do discurso científico ou as reclamações de quem protesta na rua ou faz greve em frente a uma escola.
A COP25 foi um fiasco ou, como disse António Guterres, uma “oportunidade perdida”. O conhecimento científico sobre a emergência climática, os exemplos preocupantes das mudanças em curso no planeta e a crescente sensibilidade da opinião pública para este tema criavam um contexto propício a uma abordagem política mais exigente. Mas o que aconteceu na 25.ª Conferência das Partes (COP25) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, organizada pelas Nações Unidas em Madrid, não foi nada disso.
É claro que quando duas centenas de países se sentam à mesma mesa para discutir o clima, ou seja o que o for, a probabilidade de não se chegar a um compromisso decente é elevada. Foi o que aconteceu. Nada de muito conclusivo saiu de Madrid. A União Europeia aproveitou a circunstância para marcar posição na liderança do combate às alterações climáticas, sublinhando a promessa de se transformar no primeiro continente com neutralidade carbónica em 2050, por oposição a países como EUA, China, Rússia ou Índia. Estes não só se recusam a rever as suas metas ou interesses nos combustíveis fósseis, como são, afinal, os responsáveis por mais de metade das emissões de efeito estufa e quem mais coloca em questão o conhecimento científico. Não há compromisso ambiental possível com o negacionismo obscuro de Bolsonaro.
Há uma discrepância indisfarçável entre aquilo que os governos estão dispostos a fazer e a gravidade do discurso científico ou as reclamações de quem protesta na rua ou faz greve em frente a uma escola. E há uma grande divisão entre os Estados; entre quem está disposto a agir, entre quem nega as evidências científicas e quem opta por permanecer indiferente. Esta COP25 expôs claramente esse fosso entre a inacção dos Estados na conferência e as expectivas da população no seu exterior. A inacção dos primeiros legitima ainda mais o discurso furioso e a impaciência das organizações não-governamentais, que exigem (e bem) que algo seja feito de imediato.
A emergência climática não é de todos. O fracasso desta cimeira é um bom exemplo do que é hoje o multilateralismo e a emergência climática a melhor demonstração de uma causa de impacto global, capaz de juntar uma nova geração que olha para um mundo sem fronteiras, interdependente, e que é capaz de se bater por ele. Essa é a única esperança de Madrid.