Galaxy Fold: imperfeito, mas mostra-nos como poderá ser o futuro
Exclusivo, potente, inovador e com falhas, mas pode bem ser um vislumbre de como será a tecnologia amanhã. O PÚBLICO experimentou o Galaxy Fold da Samsung, que chega a Portugal a 23 de Dezembro por 2050 euros.
Fechado parece pequeno, aberto faz lembrar um mini-tablet. A forma estranha para os padrões actuais é a primeira característica distintiva do novo Galaxy Fold, o primeiro smartphone de ecrã dobrável da Samsung. Mas, mais importante, é a inovação tecnológica o que faz dele uma peça que merece atenção, porque pode representar um ponto de viragem no caminho de uma indústria que procura revitalizar-se.
Já aconteceu no passado recente e a História diz que é sempre assim. Quando o primeiro iPhone foi apresentado há 12 anos, houve quem dissesse (muitos eram entendidos no assunto) que era “um disparate” ter de mexer no ecrã do telemóvel com a ponta dos dedos; o desfecho de tal arrojo já todos conhecemos. Daí que seja precipitado dizer que um telemóvel de ecrã táctil que dobra como um pequeno caderno de apontamentos não vai servir para nada, que é demasiado grande e pesado e, pior, que é frágil, que o ecrã tem um vinco e que acabará por se estragar.
Como qualquer inovação tecnológica, estes smartphones de ecrã dobrável vão precisar de tempo, de uso e de reacções dos consumidores. A Samsung e as outras marcas que ensaiam o salto para estes novos modelos estão a investir milhões na tecnologia, mas são os consumidores quem lhe irá ditar a sorte. É portanto um acto, digamos, de alguma coragem, porque é absolutamente necessário para o desenvolvimento da tecnologia. Mas, ao contrário do que aconteceu há 12 anos, este é um risco calculado e, aparentemente, com menor margem de erro.
A inovação é sempre imperfeita
É quase injusto esperar que qualquer coisa acabada de inventar seja produzida sem falhas. Os ecrãs dobráveis (como os conhecemos) estão a ser desenvolvidos há pelo menos uma década, mas a implementação nos dispositivos móveis está longe de ser simples.
A própria Samsung sofreu no processo de lançamento deste Galaxy Fold, depois de as primeiras análises dos jornalistas determinarem que o ecrã não estava em condições — ora partia-se em vez de dobrar, ora empolava ou perdia a cor. Estes primeiros ensaios no mundo real foram determinantes e obrigaram a empresa sul-coreana a suspender por um semestre o processo de lançamento — a empresa aprendeu com os erros do Galaxy Note 7 e evitou o que podia ser mais um desastre de relações públicas.
Corrigidos os primeiros (grandes) problemas, chega agora a vez do teste real: o do consumidor. Os portugueses vão poder comprá-lo a partir do dia 23 deste mês pela módica quantia de 2049,89 euros — para referência, o (outro) topo de gama da Samsung, o Note 10+, está à venda em Portugal por 1129 euros.
É muito dinheiro para um telemóvel, mas quem comprar um tem garantida a atenção à sua volta. Não estamos habituados a um dispositivo assim; mais do que o tamanho salta à vista o acto de abrir o Fold. Mas também vai ter de ser um utilizador paciente, porque a originalidade ainda não tem software de uso corrente à altura.
A versão do Android 9 instalada pela Samsung está perfeitamente adaptada ao novo formato – nomeadamente a opção de poder ter no ecrã várias janelas em simultâneo –, mas algumas aplicações deixam a desejar. Por exemplo o Instagram, em que as imagens redimensionadas para o ecrã quase quadrado saem fora das margens; ou o YouTube, já que um dos cantos da imagem fica oculto pelo notch (a zona opaca onde estão as câmaras e sensores) quando vemos os vídeos em modo deitado (landscape).
Em ambos os casos, os problemas resolvem-se com uma actualização de software. Já o Netflix, por exemplo, nem sequer está disponível na loja da Google, talvez pelo facto de o vídeo padrão 16:9 estar distante do 4:3 do ecrã principal do Galaxy Fold.
Também notámos um comportamento estranho no Chrome, uma espécie de ondulação do texto e imagem durante o scroll, como se as duas metades da imagem não estivessem a ser processadas exactamente ao mesmo tempo.
No que toca à fotografia, a imagem obtida com o telemóvel fechado é também mais pequena do que a fotografia tirada com o telemóvel aberto, isto apesar de a câmara utilizada ser exactamente a mesma. O software do Galaxy Fold ainda vai precisar de afinações.
O vinco o cérebro apaga, mas o pó e a água não
As 7,3 polegadas de tamanho do ecrã e a tecnologia AMOLED tornam o Galaxy Fold extraordinariamente confortável para ler ou escrever. A qualidade da imagem é inquestionável para ver fotografias ou vídeos, mas a comodidade da leitura é talvez a grande mais-valia do ecrã principal.
Já o da frente, com 4,6 polegadas, é pequeno para os padrões actuais. E o problema não é apenas a dimensão: o “ecrã de fora”, disponível apenas quando o aparelho está fechado, tem um rácio de 21:9, ou seja, é demasiado rectangular ou “esticado”, para usar um termo mais simples. Logo, pouco mais serve que para ver as horas ou fazer uma chamada, sendo pouco prático para acções mais complexas.
Daí que o Galaxy Note tenha apenas uma utilização natural: com o ecrã aberto, o que faz dele um feito tecnológico a vários os níveis. A dobradiça é engenhosa e até o malfadado vinco ao centro, bem visível, acaba por ser “apagado” pelo cérebro — não deverá demorar muito até que essa limitação física seja eliminada.
Pior é mesmo a fragilidade geral do Galaxy Fold. Não é resistente à água ou ao pó e a própria Samsung desaconselha a proximidade do dispositivo a cartões com banda magnética ou objectos de metal, devido à presença dos ímanes que mantêm o telemóvel fechado. No YouTube não faltam exemplos que expõem estas limitações.
De resto, as capacidades técnicas têm o calibre do preço: seis câmaras fotográficas, bateria dupla de 4380 mAh (dão para dia e meio de utilização normal), 12GB de RAM e 512GB de memória interna. As especificações estão disponíveis neste link.
Tecnologia com futuro? Lá chegaremos
Bastam dois ou três dias de utilização a tempo inteiro para assumir que o Galaxy Fold é uma espécie de Fórmula 1 dos telemóveis, no sentido em que estes carros levam ao limite a aplicação experimental da tecnologia e alguma dela acabará por chegar ao mercado de consumo.
Ainda não analisámos a concorrência (Huawei Mate X ou Motorola Razr) para aferir a solidez da tendência, mas a sensação que fica é que, um dia, todos os telemóveis vão ser mais ou menos assim.
Quando a tecnologia permitir construir telemóveis mais finos e leves — as baterias actuais ainda representam uma limitação importante, por serem grandes e pesadas —, eventualmente estes poderão ser desdobráveis em mais de duas partes (três, quatro?) e será possível ter um smartphone (capaz de ser usado com uma mão) e um tablet no mesmo dispositivo.
Essa é talvez a maior virtude do Galaxy Fold, a de nos mostrar por que todos vamos querer ter um telemóvel dobrável.