Sector têxtil admite fecho de um terço das empresas e 28 mil despedimentos
O melhor cenário para 2025 projecta muitas dores para um sector que, ainda assim, conta com mais exportações, diz o plano estratégico para os próximos cinco anos.
Após uma década a crescer e a pulverizar até as projecções mais optimistas, o sector têxtil e vestuário vai entrar num novo ciclo que ninguém sabe bem o que será. As palavras são do presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), que reunirá industriais, governantes e especialistas para discutir os próximos anos. Ninguém tem uma bola de cristal, mas os quatro cenários que estão projectados não auguram nada de bom. Na melhor das hipóteses, a indústria têxtil e do vestuário vai aumentar a facturação e as vendas ao exterior. Mas voltarão os encerramentos de fábricas e os despedimentos.
O plano estratégico anterior apontava três cenários possíveis para 2020, agora fala-se num para 2025. E é este último que prevê que uma forte quebra no número de empresas em laboração e um grande número de despedimentos. O sector da indústria têxtil e vestuário (ITV) tinha, em 2018, 6700 empresas, de acordo com o Banco de Portugal, e quase 139 mil trabalhadores. O projectado para 2025 reduz para “mais de 4000 empresas” e 110 mil trabalhadores. O que, a confirmar-se, significaria que cerca de um terço das empresas de ITV vão fechar e haveria à volta de 28 mil despedimentos.
A Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal já veio contestar estas previsões. A coordenadora da Fesete Isabel Tavares afirma-se surpreendida com estes dados. “Não temos um quadro negativo neste momento em termos de emprego. Este cenário foi uma surpresa”, diz está sindicalista em declarações à Antena 1. “As empresas precisam de trabalhadores para o sector, até com alguma especialização. E isso está a ser uma dificuldade muito grande.”
“Para nós foi uma surpresa completa, porque, daquilo que conhecemos no terreno, o que há é a necessidade objectiva de trabalhadores por parte das empresas, que não conseguem ter resposta. Por outro lado, nos encerramentos que se vão verificando, os trabalhadores rapidamente são absorvidos por outras empresas do sector”, sustenta Isabel Tavares.
Resta saber o que pensa o Governo, que se fará representar no Fórum da ITV que decorre esta quarta-feira em Famalicão, onde estará representado pelo ministro da Economia. Nem tudo parece sombrio: o mesmo cenário de evolução pressupõe um crescimento das vendas, para 8000 milhões, de acordo com o documento a que o PÚBLICO teve acesso e cuja divulgação foi antecipada pelo Jornal de Negócios. E esse crescimento da facturação assentará no crescimento das exportações. Porém, nenhum governo gosta de despedimentos. E as estimativas da ITV são, no mínimo, preocupantes em matéria de emprego.
Para economistas ou analistas, isto terá outro nome: consolidação do sector. O próprio líder da ATP, Mário Jorge Machado, deverá tocar no seu discurso nesta matéria da transformação contínua do sector. A digitalização terá um papel preponderante. As empresas portuguesas terão de procurar novos mercados, tendo em conta as perdas em Espanha, cuja quota de mercado deverá cair quatro pontos percentuais até ao final de 2019, e as ameaças do “Brexit”.
Além disso, há a questão da sustentabilidade da moda e da ITV, que obrigará muitos empresários a repensar o modelo de negócio. E para os industriais, parece pesar sobre o pescoço uma espécie de espada de Dâmocles chamado aumento dos salários. Este é um tema impulsionado pelo próprio executivo. E ainda que garanta que os empresários não defendem um modelo competitivo assente em baixos salários, o presidente da ITV deverá dizer ao país que aumentar salários sem aumentar produtividade é perder competitividade face a certos concorrentes.
O desafio passa, por isso, por aumentar as margens. Para tal, a ITV portuguesa tem de se destacar do pelotão, transformando-se num marcador de tendências, em vez de um seguidor. Terá de posicionar-se como “trendsetter nas áreas de diferenciação”, diz o documento que resume a nova visão estratégica: conhecimento; design; tecnologia; internacionalização; e sustentabilidade.
Ao mesmo tempo, precisará de encontrar respostas para a globalização e as tensões comerciais; para as novas gerações de consumidores; para as mudanças demográficas, com o envelhecimento da mão-de-obra, a falta de quadros e a automação; para a tendência da reindustrialização e da mudança de localização das unidades produtivas; e para a “pressão” sobre os “factores competitivos clássicos": “capital, trabalho, energia e contexto amigo do investimento”.
Segundo o anterior plano estratégico, se tudo corresse mal, e no pior dos cenários, até 2020 teriam 4000 empresas e metade dos actuais trabalhadores teriam ido para a rua. O plano da ATP chamava-lhe o cenário “chumbo”. Para sindicatos, o termo mais adequado teria sido catástrofe – e certamente que qualquer governo pensaria o mesmo.
No cenário “prata”, a ATP previa um “risco moderado de desestruturação” da respectiva fileira, com metade das empresas a sobreviver e cerca de 40% de despedimentos. No cenário “ouro”, ou seja, o melhor, em 2020 haveria mais de 100 mil trabalhadores e mais de 5000 empresas. Dois objectivos que foram cumpridos largamente.
Notícia corrigida às 17h40: especifica que os cenários chumbo, prata e ouro diziam respeito ao plano estratégico anterior