Roma de Ferrara
Há casos na cinematografia de Abel Ferrara em que o cinema, obrigado a recuar, o espaço vital reduzido ao mínimo, estrebucha, em risco de não conseguir deixar vestígios, lutando para não se apagar. Tommaso é desta estirpe; sobrevivente.
Tem de haver mais do que a simples oposição entre crack e orechiette quando ao junkie de ontem, o Abel Ferrara de Nova Iorque, se opõe o Abel Ferrara de hoje, o sóbrio, de álcool e drogas, que vive na Piazza Vittorio de Roma — tem de haver mais do que a conclusão de que sem as adicções se perdeu um cineasta. A sinalização dessas perdas denotará sobretudo uma melancolia por um tempo desaparecido. Desde logo para o espectador: os tempos em que os caminhos do porno (e arredores) e os da autoria iam dar à mesma sala de transgressões — em Lisboa, por exemplo, havia o Xénon. Mas Ferrara, no documentário The Projeccionist (2019), mostrou igualmente saudades desses tempos fluidos em que o underground conseguia honras de visibilidade sem limpar os sabores da decadência.
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