As Carvalheiras vão ser um “túnel do tempo” para a era romana

Com conclusão prevista até 2021, a musealização deste quarteirão de Bracara Augusta implica a reconstituição da domus e das termas públicas agora em ruínas com técnicas e materiais ajustados aos do Império Romano, dentro do possível.

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Simulação do futuro espaço público em torno das ruínas romanas DR

As pessoas que se atrevam a entrar num edifício situado na Rua da Cruz de Pedra, a oeste do centro histórico de Braga, vão entrar numa espécie de “túnel do tempo” que as vai conduzir a uma das memórias de Bracara Augusta. Quem o afirma ao PÚBLICO é a arqueóloga Manuela Martins, responsável pelo projecto de requalificação da Ínsula das Carvalheiras, que, segundo informações do município, deve estar concluído em 2021, após um investimento entre dois a três milhões de euros. A solução arquitectónica para a zona, classificada como Imóvel de Interesse Público, vai ser apresentada neste sábado e aberta posteriormente à discussão pública.

O imóvel, propriedade da autarquia, vai ser o centro interpretativo para esse quarteirão, de cinco mil metros quadrados. Além de explicar a organização da cidade romana e os pontos de interesse das Carvalheiras, o espaço vai também exibir algumas projecções multimédia que forçam o visitante a recuar na história na “antecâmara da visita”, esclareceu a autora de livros e estudos sobre Bracara Augusta, que é também vice-reitora da Universidade do Minho

Aí, o visitante pode-se cingir ao acesso gratuito para o parque ajardinado, um futuro “espaço de usufruto” onde antes havia parques de estacionamento automóvel e um rinque para usufruto dos moradores, já demolido. Já para aceder aos vestígios romanos dos séculos I d.C. a VII d.C., colocados a nu pelas escavações da Unidade Arqueológica da Unversidade do Minho (UAUM), entre 1983 e 2001, será preciso pagar bilhete.

Entre as ruínas, sobressaem uma domus – tipo de habitação pertencente às elites de então -, de 1200 metros quadrados, edificada no final do século I d.C., e as termas públicas, do século II d.C. Pelo meio, há uma rua demarcada, que teve outrora uma “ampla rede de espaços comerciais”, as designadas tabernae, que serviam para a venda a retalho, “uma característica comum da então Bracara Augusta”, disse Manuela Martins, antes de explicar o circuito. “O visitante passa primeiro pela casa, sai para a rua e entra depois no balneário, fazendo o mesmo circuito dos romanos quando o utilizavam. A ideia é mostrar como funcionavam as termas romanas”, adiantou.

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Espaço em que se integra a Ínsula das Carvalheiras DR

Mas o projecto, vincou a arqueóloga, não se limita à identificação dos locais e do seu uso em séculos idos. O visitante deve sentir-se imerso em Bracara Augusta, insistiu. Para o conseguir, a proposta arquitectónica prevê a criação de estruturas complementares às ruínas, capazes de substituir as paredes que já lá não existem e ainda de suportar as coberturas para cada edifício, pensadas para abrigar as ruínas de condições meteorológicas adversas e para se “aproximarem tanto quanto possível dos telhados romanos”, explicou.

A telha foi uma das soluções pensadas, mas o elevado peso, detalhou, obrigava à instalação de pilares que iriam retirar espaço aos visitantes. Assim, as coberturas de telha serão poucas. A solução privilegiada é uma estrutura de madeira e ferro. A argila também é hipótese para alguns dos espaços. Já as paredes vão ser replicadas com uma estrutura translúcida, feita de policarbonetos. O betão, garantiu a vice-reitora, está fora de hipótese.

Com tais soluções, os visitantes vão poder isolar-se das traseiras das habitações que rodeiam o núcleo romano, observando volumetrias e sentindo desníveis da época. “A cidade desenvolvia-se em socalcos, que têm de ser compensados”, recordou. “Os visitantes vão circular pelos espaços segundo as cotas romanas, tendo o acesso a recursos multimédia que vão explicar a função de cada espaço”.

Teatro Romano é para requalificar

A par do espólio dos museus D. Diogo de Sousa e Pio XII, das ruínas na Cividade, das termas, em Maximinos, e da Fonte do Ídolo, já fora do perímetro de Bracara Augusta, a Ínsula é um dos testemunhos romanos que sobrevive na cidade. A sua musealização é, para o vereador municipal do urbanismo e do património, Miguel Bandeira, um caminho para “o reforço de um cluster da era romana no centro histórico”.

O responsável salientou, contudo, que o horizonte da autarquia já se estende para lá das Carvalheiras. O próximo passo na valorização de Bracara Augusta é a requalificação do Teatro Romano, na Cividade, o único que se conhece no noroeste peninsular. Mal tenha fundos, a Câmara quer avançar com um projecto que “concilie a preservação das ruínas com a possibilidade de decorrerem espectáculos nesse espaço”, explicou.

O município está, para já, a financiar o projecto das Carvalheiras na totalidade, mas espera, no futuro, o apoio do Estado ou dos fundos da União Europeia, já que o património em questão transcende, no seu entender, o interesse de Braga. “Falar sobre a era romana é falar sobre a história da Europa”, defendeu.

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