Centro de produção metalúrgica do período romano descoberto em Safara/Moura

Vestígios da Idade do Ferro poderão vir a identificar um grande centro de poder que se exercia sobre os pequenos povoados da planície hoje ocupada pelo regadio do Alqueva.

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As pequenas colinas que se salientam na extensa planície alentejana continuam a ser uma caixa de surpresas quando os arqueólogos as investigam à procura de vestígios que têm vindo a reescrever a história do Alentejo, como aconteceu no processo de instalação do projecto de regadio do Alqueva. A descoberta mais recente acaba de ser revelada pelos arqueólogos Mariana Nabais e Rui Monge Soares, que se “aventuraram” na identificação do sítio arqueológico localizado no Castelo Velho de Safara, freguesia do concelho de Moura, na margem esquerda do rio Ardila, afluente do Guadiana. Ao segundo ano de escavações, iniciadas em 2018, encontraram vestígios importantes de produção metalúrgica datados do século I a.C., do período romano republicano.

Em declarações prestadas ao PÚBLICO, Mariana Nabais descreveu a dimensão do acervo arqueológico: “Temos evidências de toda a cadeia de produção de metais: várias escórias de fundo de fornalha, pingos de fundição, tubeiras em cerâmica, alguns cadinhos de fundição e vários objectos em metal”.

Contudo, ainda não é possível confirmar se a unidade metalúrgica que foi instalada durante o século I a.C. “trataria da produção de ferro ou bronze”. Os trabalhos que estão a decorrer permitiram identificar imensos pregos da época romana e também vestígios de bronze, cobre e chumbo. “Pontualmente, temos descoberto vestígios do período calcolítico (cobre)”, salienta a arqueóloga, frisando que “só a análise química das escórias irá determinar se são de cobre ou de ferro”.

A presença de escórias indicia a realização de operações de produção de metais, que exigem temperaturas na ordem dos mil graus ou superiores. Os minérios fundidos seriam, muito provavelmente, provenientes das áreas mineiras envolventes do Castelo Velho de Safara, como as jazidas da Serra da Preguiça, e talvez também da zona mineira de Barrancos, onde existiram minas de cobre e de ferro, entre outros metais.

“Estamos a descobrir um povoado que pertence à memória de todos e que é um património altamente relevante sobretudo para a população do concelho de Moura”, acrescenta Mariana Nabais. Até ao momento foram identificadas várias estruturas datadas da época romano republicana (século I a.C.) e também vários troços de muralha à qual estão” adossados diversos pequenos compartimentos provavelmente destinados ao armazenamento de recursos alimentares”, prossegue a arqueóloga.

Paralela à muralha, encontrou-se uma via de circulação junto da qual se terá desenvolvido a zona residencial do povoado. Os materiais recolhidos confirmam a presença romana, mas destacam também uma forte presença de populações da II Idade do Ferro (séculos IV a II a.C.), havendo igualmente vestígios cerâmicos datados do 3º milénio a.C., de cronologia calcolítica, observa a investigadora. 

O PÚBLICO questionou-a sobre a possibilidade de se estar perante um grande centro de poder que era exercido sobre pequenos povoados dispersos pela planície, como acontece noutros pontos do Alentejo. Um dos exemplos mais conhecido encontra-se no povoado do Outeiro do Circo, que está situado numa elevação de terreno a cerca de uma dezena de quilómetros de Beja e que teria capacidade para suportar e proteger largas centenas de habitante, que se dedicavam à exploração de um território circundante bastante rico.

“Guadião da planície”

Mariana Nabais diz que “ainda é muito cedo” para concluir se o Castelo Velho de Safara é um desses “guardiões da planície” que surgiram durante a Idade do Bronze e prevaleceram até à Idade do Ferro. “Possivelmente só dentro de dois ou três anos é que ficaremos a saber se estamos perante testemunhos dessa época”, observa a arqueóloga, frisando, no entanto, que a identificação do sítio com a Idade do Ferro “é o registo para onde estamos mais inclinados”.

Em reforço desta hipótese está o trabalho realizado pelos dois arqueólogos noutros sítios do concelho de Moura, onde identificaram uma série de ocupações daquele período. As escavações que estão a decorrer no sítio arqueológico de Safara só permitiram, até ao momento, identificar vestígios da época romana. No entanto, já foram identificadas muralhas de “grande dimensão e muito densas, acompanhadas de três linhas de fossos reveladoras de preocupações com a defesa dos povoados que poderão ser da Idade do Ferro, mas ainda não há confirmação”, refere Mariana Nabais.

Em reforço desta possibilidade está o facto de, em 1989, o arqueólogo António Monge Soares (pai de Rui Monge Soares) se ter deparado com um abatimento no chamado “assento do rei”, a escarpa mais alta do Castelo Velho de Safara, que revelou uma ocupação da Idade do Ferro. Fizeram-se recolhas de superfície e foram identificados vestígios do período romano republicano mas “nunca houve uma intervenção sistemática porque o sítio é de grande dimensão” e tem sido sujeito à devassa constante dos detectoristas, indivíduos munidos de detectores de metais que esburacam os locais onde suspeitam que haja vestígios arqueológicos.

Os trabalhos arqueológicos têm o apoio de várias entidades, como a University College London, a University College Dublin, a Câmara de Moura, a União de Juntas de Freguesia de Safara e Santo Aleixo da Restauração, ADC Moura e a Empark. Durante a escavação têm vindo a decorrer actividades pedagógicas envolvendo grupos da comunidade local, com os alunos da escola primária de Safara e o ATL da Casa do Povo de Safara.

No final da campanha de escavaçõe, entre 30 de Agosto e 1 de Setembro, será inaugurada na Casa da Moagem de Safara uma exposição sobre os trabalhos desenvolvidos no sítio arqueológico. No dia 20 de Julho realiza-se o Dia Aberto, em que todos os interessados estão convidados a participar numa visita guiada ao Castelo Velho de Safara e à escavação e a apreciar os artefactos descobertos no local.

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